Quem teve filhos, ou cuidou de bebês, deve ter observado que desde os primeiros momentos somos diferentes. Diversidade não tem só a ver com raça, cor, religião, ideologia, mas também se realiza entre os ditos "iguais", nas diferenças da mente, capacidades, conceitos e emoções que vão nos marcar.
Desde o começo, temos a criança solar, naturalmente animada e alegre, de sorriso fácil e olhar luminoso, e a outra, mais quieta, recolhida, assustadiça, desconfiada. Mal-humorada, até facilmente agressiva: sim, criança pode ter um gênio bem difícil, porque nasceu assim ou porque o convívio familiar, educação, experiências pessoais a vão distinguindo. Mas amadurecendo temos raciocínio claro, e força de vontade: pessoas agressivas podem se educar, e melhorar. Outras, mesmo de natureza mais afável, em ambiente hostil, violento, frio, podem se tornar hostis ou parecer antipáticas.
Por que escrevo isso? Porque me espanta – a gente sempre acha que a certa altura da vida nada nos espanta, mas é mentirinha – essa nossa agressividade à flor da pele. Não recordo tempos tão intolerantes. Branco e preto. Politicamente correto (detestável) ou incorreto. Azul ou vermelho. Direita ou esquerda, e outras noções já bem ultrapassadas.
Andamos pouco civilizados, por qualquer coisa atropelamos, batemos, xingamos, afastamos, deletamos alguém: por que tanto assim, por que com tamanha frequência, por que essa dificuldade em entender, aceitar (nada a ver com se acovardar), desculpar, e – se queremos afastar de nós – em nos distanciarmos sem ferir?
Possivelmente porque, neste mundo conturbado, neste ambiente político bizarro, nesse espetáculo de violências variadas mundo afora ou aqui na esquina, estamos realmente com os nervos expostos: medo, insegurança, o assombro moral, nos deixam em alerta.
Arreganhamos os dentes, esticamos a cauda, e lá vamos nós, agredindo muitas vezes por receio infundado, sem motivo concreto. Em alguns lugares, ir a um jogo de futebol pode ser arriscar até a vida. Ninguém com bom senso conversa no carro diante da porta da namorada. Ninguém circula tranquilo nas ruas escuras, e descemos do carro, ou tocamos a campainha, olhando para os lados como se estivéssemos na selva.
Estamos na selva: nós a criamos. Ou permitimos que se formasse, e até participamos dela. Isso tem remédio, receita, tem jeito? De momento, ando cética quanto a comissões, grupos, discursos. Eu, aqui, comigo, devo tentar ver todos como pessoas: com rosto, emoção, vida, mesmo que eu não lhes saiba o nome.
Vou ao jogo para torcer, para ver meu time ganhando, mas perder não deve ser o fim da minha decência. Discutir opiniões é normal, mas não preciso dar porrada física ou verbal se minhas ideias não forem aceitas. O trânsito está um horror, mas não tenho de atropelar alguém ou sair gritando insultos. Se o trabalho foi duro, o dinheiro é pouco, se alguém me irritou, não posso chegar em casa me portando da mesma forma.
Somos todos inocentes. Ou somos uns pobres diabos assustados. Se a gente não começar em si mesmo, feito formiguinha, a coisa só vai piorar: logo até dentro de casa vamos acordar rosnando como numa selva ameaçadora.