Começo um novo livro, que chamo A Casa Inventada, deixando de lado por um tempo – de acordo com minha editora Record – o outro, que se chamaria Os Sentimentos Humanos, ou A Casa de Pandora. Pois estava empacado há semanas, me deixando aflita. O vento sopra quando quer, digo sempre, e não adianta lutar com ele: acaba nos derrubando e cobrindo de pó. Então, começando a montar a casa, que no meu livro será a vida, a casa da vida que um pouco inventamos, um pouco nos é imposta, leio na ZH de quinta o artigo do David Coimbra sobre casas. Bonito, comovente, tenso e sério como ele sabe fazer. Leiam: vale a pena.
E assim continuo aqui falando um pouco em casas: as que nos recebem quando nascemos, as que criamos para e com nossos filhos, caso os tenhamos, casas que podem ser no chão ou no alto de um edifício. Casa sendo "lar", isto é, refúgio. Lá onde, apesar de discordâncias, brigas e chatices, nos sentimos abrigados. Esse é o meu lugar, assim como, no Exterior, pensamos no nosso país (pobre país, aliás...) como "meu lugar, minha gente".
Talvez nem todos sintam isso, mas eu, conhecido bicho da minha toca e mulher da minha caverna, em todas as vezes em que estive em países civilizados, lindos, cultos, a trabalho ou a passeio, tratada a pão de ló, tive permanentemente essa sensação de que meu lugar seria, mesmo mesmo, aqui no Brasil. Esculhambado, colorido, hoje dolorido e preocupante, mas minha gente, minha fala, meu clima, minha alma, meu aconchego. Certamente não sou uma "pessoa do mundo", antes uma espécie de caipira gaúcha, embora nutrida com idioma, livros, uns poucos costumes e comidas do país de origem de meus antepassados – que cá vieram há quase duzentos anos, portanto estamos bastante "amaciados" como brasileiros. Apesar do respeito e admiração pelo espírito de trabalho, ordem, beleza natural e maravilhas culturais, a terra de origem não é a minha casa.
Aliás, há muitas décadas luto contra uma "frau" enérgica, prática, que se põe à minha frente mesmo agora, mãos nos quadris, quando no meio da tarde estou sonhando acordada na minha poltrona da sala, vendo – sem realmente enxergar – a bela paisagem, ou as nuvens, fora: "O quêêê? A essa hora de pernas pra cima sem fazer nada?".
Na verdade, já não me impressiona muito essa outra Lya, que às vezes assume a forma da mãe, avós, tias, no mínimo sempre de tricô ou livro na mão na hora de "não fazer nada". Para mim, isso que Freud chamava "atenção flutuante" é hora de trabalho: quando as coisas se forjam e formam dentro de mim, lá nas areiazinhas meio inconscientes do fundo do aquário. De modo que estou nesses dias, semanas, meses talvez, inventando uma casa: com porta de espiar, corredor de espelhos, sala da família, porão das aflições, pátio cotidiano, jardim das crianças e um canto dos deuses...
Só eles sabem o que vai sair disso, mas eu vou em frente: neste computador, ou diante dessa janela, inventando como quem solta fumacinhas de um cigarro arcaico. Porque em tempos remotos, confesso, até eu fumei... "Você fuma de frescura", diziam os amigos. Logo deixei sem sofrimento o cigarro, a frescura, o perigo de doença, o acúmulo de rugas, o cheiro que hoje me enjoa. Aliás, na minha casa inventada será proibido fumar. (Mas a nuvenzinha, essa era bem simpática.)