Escutei na tevê essa frase tão óbvia e simples, que acabei achando um luxo: "Hoje em dia, a simplicidade é um luxo; e outro luxo é o tempo". Postei no meu Face, muita gente marcou, pensa assim também. Fiquei elaborando isso com os botões que não uso: essa transformação para valorizar o simples – ainda que seja meio de mentirinha, porque em geral acaba sendo simples sofisticado – é na verdade uma coisa muito boa. Vira tranquilidade. Vira liberdade. É anticorreria, antiostentação, anti-ter-de-tanta-coisa. Não ter de obedecer a tantas regras, poder usar o aventuresco até na casa: cadeiras e copos desiguais de propósito, roupa descombinada, o estilo é o que agrada a cada um. Podermos viajar nas almofadas exóticas ou superdiscretas, tapete idem, folhagem enorme num grande vaso ou flor num copinho de cachaça, tudo ali do jardim ou do terraço, livro espalhado ou mal empilhado. Abrir a cortina e a manhã inaugurar a vida com sol, azul, e até o luxo de um leve nevoeiro baixo. E as amizades, ah, as amizades sem inveja nem ciumeira nem cobrança, nem ressentimento, quando dá a gente se encontra, inventa um happy hour, ou passa meses sem se ver mas continua se amando igual.
Quanto mais o mundo se complica com horários, compromissos, contas, impostos, serviços medonhos e política nauseante, fora as novas descobertas de milhões e milhões desviados enquanto as crianças não têm comida nem escola, e a bandidagem se diverte às custas da polícia e comanda o país, mais nós procuramos a paz. Uma certa paz, a paz possível. Ansiar menos pelos luxos antigos que exigiam uma dinheirama – não querer mais impressionar, mas nos sentirmos bem, de jeito leve. Vamos ter tempo de viver um pouco mais, não em anos, mas em felicidade, sem tantas exigências.
De momento, faço uma tradução de filosofia, sofisticada, mas tudo ao meu redor é simples, portanto é um luxo esse trabalho intenso que há tempos não fazia. Sem complicação. Sem resmungar. Até uma das funcionárias comentou: "A senhora está de novo muito tempo trancada no escritório", e estou. Mas contente, porque se a crise exige mais trabalho, por outro lado foi minha profissão tantas décadas, e reencontro, nela, velhas alegrias.
Quando o difícil fica cada vez mais difícil na vida, podemos ser mais simples até no café da manhã: cada um prepara o que quer, depois bandejinha no colo cada um na sua poltrona, conversando, comentando notícias (haja estômago) ou olhando quietos as árvores com seu jogo quase sobrenatural de luzes e verdes. Porque para se amar, e estar feliz junto, não é preciso nenhuma aflição.
Isso enche meu coração: o luxo da simplicidade. Volta e meia um filho, filha, neto ou neta posta uma mensagem ou foto do seu iPhone pro meu, e a saudade já encolhe um pouco, pois no cyberspace estamos juntos. Nada daquele compromisso grave de tempos em que era dever visitar a avó, uma senhora de cabelo branco e vestido preto, a quem era preciso tratar com cerimônia – quando quem sabe ela estaria doida por uma brincadeira, uma risada, um encontro alegre?
Um luxo que dá um pouquinho de trabalho: desenrolar o fio cheio de nós das antigas complicações.