Meu avô paterno era alfaiate, e o materno foi caixeiro-viajante e depois funcionário de fábrica de conserva; as duas avós eram “do lar”, quer dizer, trabalhavam 18 horas por dia sem salário, além de também produzirem coisas para venda informal. Nenhum deles era propriamente colono, embora meu avô Beno Fischer tivesse umas vacas e umas galinhas e ganhasse algum com isso também.
Quero dizer com isso que não tenho antecedentes imediatos que tenham de fato vivido como colonos da terra, dependentes exclusivos do tempo e da força física. Mas tenho uma forte afinidade com esse mundo, mesmo assim.
Vai daí, ao ler um livro como A Trajetória de um Professor-Colono, do René Gertz (editora Oikos), quase não poderia sentir mais proximidade com seu relato e sua visão das coisas, isso embora a cada vez menos relevante diferença de ele ser luterano e eu católico, de origem.
O livro, primeiro de tudo, tem a virtude de ser uma memória, um exercício de fixação de uma experiência, o que já tem por isso toda a minha simpatia. Nesse trabalho de seleção, relato, consolidação, exposição, vai sempre uma crença de que o futuro pode ser melhor: a gente escreve uma memória, um diário, uma crônica, porque imagina encontrar, do outro lado do texto, uma alma interessada em compartilhar as maravilhas, as perplexidades e os sofrimentos desta jornada sob o sol – fiquei meio bíblico até.
René Gertz é um excelente historiador profissional, o que acrescenta ao livro um interesse grande: como é que um menino, filho de agricultor de um remoto pedaço de chão nas Missões, nascido em 1949 e com trajetória de muita dureza até cumprir seu doutorado em Berlim e depois desempenhar carreira acadêmica relevante, na PUCRS e na UFRGS, como é que ele compreende e relata sua trajetória?
Pois uma parte eu posso dizer: sem pose, sem qualquer ilusão de “meritocracia” anódina e acrítica, enfrentando temas espinhosos, sempre com ótima amplitude de perspectiva. Que seu exemplo motive outros, historiadores ou alfaiates, funcionários e entregadores, à aventura da memória.