Chegando tarde mas cheio de convicção, eis-me aqui para recomendar a leitura de um livraço: Heimat – Ponderações de uma Alemã Sobre sua Terra e sua História, de Nora Krug (Quadrinhos na Cia., tradução de André Czarnobai). É o que se chama hoje em dia de “graphic novel”, romance ilustrado. Aliás, não romance, mas memória.
Nora nasceu em 1977, na Alemanha, e no começo da vida adulta emigrou para os EUA, onde vive e é ilustradora de livros – já dá pra imaginar a conjunção das linguagens. A certa altura da vida, como todo mundo saudável, resolve tirar a limpo coisas de seu passado familiar. Seu pai e sua mãe nasceram após o fim da Segunda Guerra, portanto sem relação com o horror nazista diretamente. Mas logo atrás estavam seus avós, nascidos no começo do século 20, adultos nos anos 1930, quando da ascensão e do apogeu daquela megamistificação assassina que foi o regime de Hitler.
(Megamistificação assassina? Soa familiar? Bem, voltemos ao livro.)
Essa busca é relatada como que ao vivo: Nora Krug nos leva aos momentos em que obteve documentos e testemunhos que, cada qual em uma proporção, iam dando contornos mais claros ao que ela queria saber. Houve colaboração dos avós com aquele regime? Em que nível? E por que seu pai nunca mais quis fazer contato com uma irmã que tinha? E, talvez pior ainda que mais sutil, por que a própria Nora, que nada tem a ver com aquilo, ainda sentia uma culpa difusa por tudo?
Sobrepairando o conjunto, esse nome, “Heimat” (se diz “ráimat”, com o “r” aspirado). Descendente de gente germânica, eu ouvi e li a palavra em vários momentos da vida. Ela se decifra como o lugar de onde se veio, a região de origem, a casa da família, tudo isso. Daí que eu lembrei de “querência”, o lugar que se quer, o lugar do nosso bem-querer. Nora Krug conclui, maduramente, que esse lugar pertence não à geografia, mas aos afetos.