Eu devo ter visto ao vivo umas talvez 10 vezes o show. Vi em Buenos Aires também, num momento superior da brincadeira. Aos pedaços, em alusões, em entrevistas, em outros meios — impressos, filmados, sonoros — perdi a conta.
Estou falando de uma rara experiência que foi ao mesmo tempo profunda e alegre, séria e jocosa, entranhadamente local e obviamente cosmopolita.
Estou falando de Tangos & Tragédias.
Quanta alegria aquele espetáculo espalhou pelo mundo, ou ao menos pela fatia de mundo que teve a chance de conhecê-lo?
Estou falando sério, embora o tema seja alegria. A gente via e revia, e ria sempre. O Hique ia fazer de novo aquele truque e bá, a gente ria como se fosse a primeira vez, não sendo a primeira, nem a segunda. Que grande gosto de rir de novo da mesma cara de clown, o Nico com aquele ar de falsíssimo trágico, a música reiterando algo que no fundo todo mundo já conhecia!
Essa adorável lembrança volta agora, mas por um lado muito diverso, no interessantíssimo livro que o Hique Gomez publicou esses dias, Para Além da Sbørnia, pela editora BesouroBox. São memórias do Hique, basicamente: sua vida, sua formação, os tropeços do amor e da fama, assim como as glórias de conquistar força expressiva.
Me chamou a atenção o meu guru Paulo Coimbra Guedes para um aspecto que parece pouco mas é muito: logo nas primeiras páginas, o Hique diz que teve dúvidas sobre como escrever, e a escolha foi pelo método mais certo — sua intuição, que se organiza em blocos relativos a um episódio, da vida e da arte. “Me entreguei ao trabalho de escrever sem filtros”, diz o autor.
E o resultado é adorável (embora se ressinta de uma penteada fina que evitasse umas poucas redundâncias e inconsistências). Vem à tona uma porção de pequenos e grandes momentos, que no conjunto vão compondo um excelente livro de memórias — um desses livros que o futuro vai agradecer por existirem, e que o presente aproveita e se refestela logo.