O usuário do português, a língua nossa de cada dia, sofre de insegurança linguística. Embora bem conhecida como sentimento, não tinha ainda levado esse apropriado nome. Trata-se de uma insegurança que nasce da sensação que acomete o usuário comum (mas também o jornalista, o advogado, o professor, até mesmo o de português) e lhe diz que o modo certo de praticar aquela língua está não nele, nunca nele, usuário, mas em outro lugar, aquele país vagamente utópico chamado Gramática, ou Norma Culta.
Essa é apenas uma das precisas descrições e certeiras análises presentes num livro imperdível, a História Sociopolítica da Língua Portuguesa, de Carlos Alberto Faraco (editora Parábola). Experimentado professor, com a melhor habilitação de sua geração em história do português, Faraco é capaz de percorrer com desenvoltura a história da língua de Camões e Machado de Assis – que é também a de Bandarra e Paulo Coelho – por dentro do mundo das relações sociais e políticas da língua.
Depoimento de quem é do ramo e não pode alegar inocência: além de ótimo de ler, o livro é amplamente inovador e atualizado, tanto nas pesquisas sociolinguísticas quanto na historiografia em sentido amplo. Faraco repassa uma história multissecular, chegando até o presente do Acordo Ortográfico (que ele defende, com argumentos bem consistentes), mostrando as razões históricas daquela triste situação apontada nas primeiras linhas.
Pessoalmente, o que mais me ajudou foi o grande painel do século 18, quando o Brasil falava bem outra língua que o português que agora conhecemos – eram as "línguas gerais", mesclas de línguas indígenas com o português, contra as quais Pombal decretou barreiras formais. As dezenas de milhares de imigrantes lusos envolvidos na exploração do ouro é que foram os efetivos responsáveis pela lusofonização.