O técnico da Argentina, Lionel Scaloni, falou por menos de 25 minutos na entrevista em uma conferência concorrida na véspera da semifinal da Copa do Mundo. Tão concorrida que a Fifa trocou o local. Passou do auditório número 1 do Qatar National Convention Centre para um salão que mais parecia um teatro, com direito a mezanino e tudo. Aliás, ali, em dias de jogos, são transmitidas as partidas para os jornalistas que ficam no IBC. O local, inclusive, recebeu o nome de Stadium.
Pois todo esse cenário, repleto de jornalistas, congelou para ouvir um Scaloni falar, falar, falar e pouco dizer. Para os argentinos, nenhuma novidade. O novo herói nacional, o sujeito que empresta o sobrenome ao apelido da seleção, a tal "Scaloneta", é discreto, quase nunca sai da linha e demonstra, com as palavras, o mesmo controle que tem sobre o time, ao qual quase nunca repete. Mais do que isso, costuma trocar o sistema algumas vezes até mesmo durante as partidas. O que em nada afeta seu conceito entre os argentinos.
A impressão ao acompanhar a entrevista coletiva é de que Scaloni tem salvo-conduto para tudo — menos tirar Messi. O estreante de 44 anos que nunca havia comandado jogadores profissionais recolocou a seleção no seu lugar, quebrou uma série de 28 anos sem títulos e, mais do que qualquer coisa, criou um ambiente seguro para Messi jogar o que todos viam nos clubes e mostrar um lado "Maradoniano". Aliás, sobre isso e sobre as confusões contra a Holanda, o técnico mostrou sua maior característica, a de contemporizador. A pergunta era justamente como ele percebia esse lado mais sanguíneo do craque do time, cuja marca sempre foi a timidez.
— Aproveito para falar do tema. A partida se jogou como se tem de jogá-la, tanto do lado da Holanda quanto da Argentina. Nos momentos de defender e atacar, pode passar algo, algumas coisas que os fazem difíceis, vêm as emoções. Mas há um árbitro no campo para impor justiça. Temos de encerrar esse tema de que não sabemos como ganhar — disse.
Foi o momento de maior contundência de Scaloni. No restante, ele mal elevou o tom. Controlou toda a entrevista e evitou alarde. Passou o tempo todo mexendo um papel com os dedos, entre os quais também estava uma caneta. Nem mesmo quando um repórter argentino questionou-o sobre a declaração do veterano técnico Bora Milutinovic, de que o craque da Argentina era o comando técnico.
— Uhuhuh — reagiu Scaloni, antes de seguir:
— Estamos trabalhando muito, temos uma equipe na nossa comissão e estão todos empenhados. Os jogadores jogam por si, pelas famílias e por todo um país — emendou, sem sair muito da linha.
A entrevista seguiu. Scaloni disse que havia estudado a Croácia, os pontos pelos quais poderia "lastimá-lo". Quando tratou de Modric, aprofundou-se um pouco mais e teceu elogios ao adversário desta terça-feira.
— É um prazer vê-lo no campo jogando, é um exemplo para muitos, não só pela qualidade técnica, mas também pelo comportamento. Desfrutamos de um Lewandovski e de outros. Quem gosta de futebol, quer ver esses jogadores dentro de campo — alongou-se, para os seus padrões.
Em seguida, a entrevista terminou. Scaloni se levantou e saiu a passos.
Esguio, mantém, aos 44 anos, o mesmo biotipo dos tempos de lateral-direito do La Coruña, do West Ham, do Racing Santander e da seleção, na qual foi companheiro de Messi em 2006. Só parou sua caminhada quando um jornalista presenteou-o com uma bandeira da Argentina. Ele se agachou no palco e agradeceu com um abraço. Trocou algumas palavras e apertos de mão com os mais próximos e seguiu. Com a bandeira na mão. Aliás, ele próprio virou uma bandeira dessa versão vitoriosa de uma Argentina que sofre, assim como nós, com derrotas diárias.