Edenilson Andrade dos Santos, 32 anos, nascido e criado em Porto Alegre, mais precisamente na Vila dos Ferroviários, no Humaitá, precisa desde já receber o título de jogador do ano no Brasil. Não pelo que faz em campo, embora faça muito. Mas pelo que fez.
Na terça-feira, Edenilson, em um gesto, pegou a nossa sociedade pelos ombros, sacudiu-a e a obrigou a se perfilar para esta cruzada contra o racismo e todo o tipo de preconceito. Ao tirar a camisa do Inter e mostrar a sua cor, ele fez algo que vale mais do que imagens e palavras. Edenilson gritou com a pele. Sem fazer barulho, mas ribombando na nossa consciência. Podem ter certeza, ninguém ficou indiferente ao ver aquela comemoração no primeiro gol do 2 a 0 no Independiente Medellín.
Confesso que, com mais de duas décadas de jornalismo esportivo, eu nunca tinha visto um jogador que fez os dois gols de uma vitória, um deles lindíssimo e com o pé trocado, sair de campo como o craque por outra razão que não fosse futebolística. Isso dá uma noção do tamanho da atitude de Edenilson naquela terça-feira fria e assustadora em Porto Alegre, em que quase todo mundo se refugiou em casa por medo da tempestade Yakecan.
Edenilson era o personagem daquela noite. Menos de 72 horas antes, havia denunciado o lateral-direito Rafael Ramos, do Corinthians, por injúria racial. “Foda-se, macaco”, ouviu ao disputar um lance com o adversário.
Não se calou. Parou o jogo, discutiu, cobrou, contou para quem estava no campo e fora dele o que tinha escutado. E aqui começa o momento que começa a construir o Edenilson jogador do ano. Ele não silenciou. Foi adiante, exigiu Justiça. Porque racismo é crime. E crime precisa ser tratado na esfera judicial.
O episódio de sábado é só mais um numa estatística triste de um Brasil racista. Parece mentira, mas o país no qual 54% da população é negra convive com naturalidade com a discriminação e o preconceito racial. Nem percebe. O caso Edenilson ganhou manchetes porque foi no campo de jogo do principal campeonato de futebol do país. Porque os envolvidos são jogadores famosos um deles da Seleção Brasileira. Porque as câmeras flagraram e mostraram em tempo real.
Uma pena não termos sempre essas câmeras para mostrar as outras facetas do racismo. Essa, do chamar de macaco, é só a mais berrante. No big brother da vida real, ele aparece das formas mais triviais – e mais agudas do que você imagina. É o racismo estrutural, resultado de uma sociedade ainda injusta e que, 134 anos depois da abolição da escravatura, ainda conserva fortes traços coloniais e distingue oportunidades. Há um abismo social no Brasil que impede uma real igualdade de raças e um olhar mais horizontal entre classes.
O caminho para nos tornarmos um país em que se ignore os matizes ainda é longo. Passa por aposta massiva em educação, em investimento pesado na escola pública capaz de torná-la de qualidade e, o principal, acessível a todos. Começa neste ponto a igualdade de oportunidades. A base é construída na sala de aula, por professores capacitados e bem remunerados. Se todos tiverem acesso a eles, tenho certeza de que, ali na frente, cruzarão juntos a linha de chegada. Sem distinguir cor e raça, afinal, dividiram o mesmo mundo desde a infância, aquela fase da vida em que se semeia em terra fértil.
Enquanto esse sonho da igualdade não chega, vamos tentando construir uma sociedade sem preconceito colocando o dedo na consciência dela. Como fez Edenilson na terça-feira fria de maio. Ao mostrar a cor da pele, ele grita para todos que somos iguais em cores diferentes.
O bom seria que não precisássemos de heróis como Edenilson. Mas, infelizmente, os casos de racismo se repetem, e esses heróis são fundamentais nessa cruzada. Segundo o Observartório da Discriminação Racial no Futebol, só em 2022 tivemos 31 casos nos nossos gramados. É um número assustador. Por isso, não devemos silenciar. É preciso gritar. Mesmo que o grito seja com a pele, como fez Edenilson.