Marcelo Pitol completará 40 anos nesta quarta-feira (6). O guri explosivo do começo dos anos 2000, no Grêmio, cedeu espaço para um goleiro seguro, homem de negócios em São Leopoldo e pai coruja da filha, que começa a fazer sucesso nas quadras de vôlei.
O goleiro, desde sexta-feira, é um aposentado. Esta foi a primeira segunda-feira de Pitol sem treino ou jogo no fim de semana. Podemos dizer que se despediu um dos últimos daqueles jogadores símbolos do Gauchão. Por telefone, Pitol conversou com a coluna. Tirou a barreira e respondeu sobre esse momento especial.
O que o motivou a se aposentar de forma tão repentina?
A verdade é que vou fazer 40 anos daqui a dois dias, chega a um ponto em que cansa. Poderia ir mais dois anos, era o pensamento. Mas tenho projetos pessoais, algumas coisas de família que precisam ser tocadas em São Leopoldo, o restaurante (que temos). Você começa a pensar. Estou estudando para alguns projetos pessoais, que serão decididos logo ali na frente.
Seguir no futebol está nesse horizonte?
Estava conversando com o Fernando Prass, que está estudando para ser comentarista, inclusive estava agora na transmissão da final do Paulistão. É preciso pensar. O fato é que o futebol tem prazo de validade. O meu estava chegando. Agora, é dar sequência na vida, pensar para a frente, acompanhar mais minha filha, que está no vôlei. Ela esteve no Rio defendendo o Rio Grande Sul no Brasileiro, se saiu muito bem, e não pude acompanhar. A família fica para trás com o futebol. Mas foi uma escolha que fiz, sou muito grato a Deus e nunca reclamarei. O futebol me proporcionou muito.
Você imaginava quando começou o ano que, em 4 de abril, estaria aposentado?
Sinceramente, não. Eu tinha potencial para jogar em alto nível ainda. Mas toda essa situação do corpo da gente, que sofre, outras possibilidades que surgiram e as conversas com a família me fizeram chegar essa posição. Chega uma hora em que tudo afunila e você precisa fazer escolhas.
Como é acordar sem ter de treinar ou sem ter jogo no fim de semana?
Ainda não caiu a ficha. Estava ouvindo rádio hoje no carro e entrou a rádio de Caxias, dando as informações do Caxias, do técnico que estava chegando. Na hora, percebi que não estava mais lá. Deu um sentimento diferente. Tem de trabalhar isso. Neste primeiro mês, é deixar a vida andar.
O pessoal do Caxias acabou surpreendido?
Havia conversado com a direção logo que o Rogério (Zimermmann) tinha saído. Mas o clube estava resolvendo essa situação. Segui treinando e voltei a falar com a direção, que achou viável essa definição. Tem momentos em que... Bom, encerrei esse ciclo de forma positiva. Fiz certas escolhas na carreira em momentos errados e paguei. Nesse caso, saio em um momento importante para mim e para o Caxias. O clube busca esse acesso à Série C. Tentamos, duas ou três vezes, e não veio. Mas tivemos coisas boas juntos, não queria apagá-las.
Você falou da questão do corpo.
Aí é que está. É uma das razões pelas quais estou deixando os gramados. O corpo sofre. Havia dois anos que acordar de manhã e ir treinar em dois turnos, com qualquer tempo, era custoso. Essa é uma parte em que se sofre muito, mas o atleta de alto nível tem de fazer isso. Sempre gostei muito de treinar, mas chegou a um ponto que não estava mais... Eu acompanhava. Um turno era o essencial para mim, mas quando era dois turnos, no outro dia estava destruído, o corpo sentia.
Certa vez, vi uma entrevista do Julio Cesar, ex-goleiro da Seleção, em que ele mostrava que, para colocar uma calça, precisava se deitar numa cama. O futebol deixou alguma sequela?
Você vai criando lesões. Por isso, o sofrimento do corpo é uma das razões pelas quais parei. O esporte de alto rendimento não é como você ir à academia fazer um exercício, algo agradável. Tenho (dores nos) meus dois ombros, de tanto cair. Tem dias que acordo e, dependendo da posição em que dormi, não consigo levantar o braço. Tenho tendinite e, nesses dias, tenho de ir mexendo devagar, abrindo os braços aos poucos. Convivia com isso. Em todos os jogos, na véspera e no dia, tomava anti-inflamatório para não sentir dor. Às vezes, era injeção. Isso não faz bem para o corpo. Um jogador nunca está 100%, sente sempre dor em alguma parte do corpo.
Você talvez seja o último daqueles jogadores-símbolo do Gauchão. São 17 edições no currículo. O que significou para a sua carreira?
Eu sou gaúcho, nascido em São Leopoldo, me sinto feliz de ter participado de tantos Gauchões. Peguei ainda a época em que o goleiro podia pegar a bola com a mão quando era atrasada. Hoje, precisa usar bem os pés, e tive de aprender. Peguei esse ciclo todo de mudanças, e isso foi bacana. A parte física evoluiu bastante, assim como a tática e a exigência do mental. Recebi muitas mensagens legais dizendo que era o último dos guerreiros do Gauchão. Me sinto um jogador raiz, o cara que mais jogou o Gauchão e me sinto feliz por isso. Passei por clubes como o Grêmio, onde tudo começou, o Brasil, o Ypiranga, o meu Aimoré, onde comecei aos 13 anos, o Caxias, por quem fiz 155 jogos. No Xavante, foi perto disso.