Um jogador toma, em 90 minutos de jogo, algo entre 2 mil e 2,5 mil decisões no campo. Vou pela direita? Cruzo ou passo? Avanço e dou opção? Chuto? Ou coloco, tirando do goleiro? Essas são as mais comuns, que me vieram à cabeça agora, enquanto digito esse texto. O fato é que a ciência se debruça para a tomada de decisão no futebol. É a preocupação com o treinamento do cérebro.
Como os jogadores viraram atletas de ponta e passaram a ocupar todos os espaços de um campo que ficou menor, como a evolução tática criou estratégias de jogo intrincadas e surpreendentes, pesquisadores e profissionais do futebol passaram a buscar meios de potencializar aqueles breves segundos nos quais o jogador está com a bola no pé. A nova fronteira (nem tão nova assim, mas pouco explorada aqui) consiste em capacitá-lo a escolher o melhor caminho para enviar a bola. Sai a intuição, entram a preparação, o estudo.
Foi a fascinação por esse tema que fez Leonardo Palma Monteiro mergulhar no mundo na neurociência e a tentar entender as conexões que o cérebro de um jogador de futebol pode fazer no campo.
Leonardo, 28 anos, é gaúcho e acaba de assumir cargo de analista de desempenho do Novo Hamburgo. Ele iniciou a carreira como auxiliar de preparação física na comissão técnica de Rafael Jaques no sub-20 do São José. O guri ainda se dividia entre os treinos e o fim do curso de Educação Física na UFRGS quando abriu sua cabeça e mergulhou nas dos jogadores. Entre a formatura e a bolsa de estudos para o curso de especialização em futebol na Universidade de Leipzig, havia um hiato de alguns meses. Ele decidiu preenchê-lo com um curso online ministrado pelo Barcelona. O tema: neurociência e treinamento esportivo.
Foram quatro semanas de aulas, mais de 20 trabalhos e o arrebatamento do jovem estudante. Quando embarcou para a Alemanha, Leonardo já saiu convicto de que precisava se aprofundar no assunto. Fez uma escala de um mês na Inglaterra, onde a tomada de decisão já era objeto recorrente de estudos, e se matriculou no curso da Uefa.
Os ingleses, os inventores do futebol, enxergam o jogo hoje por um ponto de vista psicológico, me conta ele, por telefone. Adotam o conceito do “four corners”, que concerne em uma visão metodológica integrada do futebol: psicológica, social, técnico-tática e fisiológica. Uma está ligada à outra. O que faz os ingleses usarem a figura da teia. Se você puxar um desses quatro pontos, afetará os outros três.
Leonardo decidiu que o cérebro do jogador seria seu objeto de estudo e, para aprofundá-lo, aterrissou na Universidade do Porto. Portugal, você sabe, é hoje o grande centro de estudos científicos de futebol. E a Universidade do Porto, sua Meca. Lá está, por exemplo, o professor Julio Garganta, uma das principais referências acadêmicas da área. Em outubro, Leonardo recebeu o título de mestre em treino de alto rendimento, com especialização em futebol.
Modelos
Nesses mais de três anos de pesquisa sobre a conexão entre o cérebro e o pé de um jogador, Leonardo reuniu uma infinidade de material sobre o tema, como livros, artigos e textos. O estrato deles virou o livro Tomada de Decisão no Futebol, que será lançado pela editora Buqui. São 99 páginas em que, além de abordar o tema, ele traz através de ilustrações sugestões de modelos de treinos que ajudarão a capacitar os jogadores nos raros momentos em que têm a bola nos pés. Tão raros que uma decisão errada pode custar um ano inteiro. E ninguém quer mais arriscar que a intuição fique dona do destino.