A defesa do ouro olímpico no futebol tem obstáculos a serem vencidos bem antes da chegada ao Japão. A pouco mais de 100 dias dos Jogos Olímpicos, há um desafio que, podemos dizer, é uma questão central: com que seleção iremos para Tóquio? A indefinição é alimentada por uma série de circunstâncias. A primeira delas é recorrente a cada Olimpíada.
Como não se trata de uma data Fifa, os clubes europeus estão desobrigados de ceder nossos principais jogadores. Outro nós a ser desatado pelo técnico André Jardine diz respeito ao calendário. O meio do ano prevê a Copa América, entre 13 de junho e 10 de julho, e menos de duas semanas depois, o começo do torneio de futebol dos Jogos de Tóquio.
Aqui começa a ginástica que Jardine e a CBF precisarão fazer para montar o grupo de 18 jogadores. Será necessário negociar com os grandes europeus e, depois disso, até fazer uma escala: talvez abrir mão de alguns nomes na Copa América para poder levá-los ao Japão. Foi assim, por exemplo, para contar com Neymar na Rio 2016. A CBF acertou com o Barcelona que deixaria o craque de fora da Copa América Centenário, disputada nos EUA, para contar com ele na campanha do Ouro. Assim foi feito. Neymar curtiu férias e veio para o Rio liderar o Brasil na conquista que faltava em sua galeria.
Porém, naquela ocasião, havia como trunfo o fato de a Olimpíada ser aqui e o quanto seria importante a presença do principal jogador do Brasil nela. Agora, não há o fator local na mesa de negociação e, para completar, tem ainda as incertezas da pandemia e o receio dos europeus de liberar jogadores para vir ao Brasil. Também acrescente-se a esse caldo o fato de a Olimpíada ser justamente na reta final da pré-temporada dos clubes. As principais ligas europeias, como a Premier League, a La Liga e a Bundesliga, começam uma semana depois da final do futebol na Tóquio 2020, marcada para 7 de agosto.
Todo esse cenário nos permite prever que não teremos a nossa seleção olímpica dos sonhos. Mesmo com o acerto entre o COI e a Fifa para que a competição seja sub-24, com direito a três nomes acima dessa idade. Em condições normais, poderíamos montar um time e tanto. A safra é muito boa. Rapidamente, dá até para vestir-se de técnico e imaginar um timaço sem nem precisar usar os três acima da idade limite: Cleiton (RB Bragantino); Dodô (Shakhtar), Gabriel Magalhães (Arsenal), Ibañez (Roma) e Renan Lodi (Atlético-Madrid); Douglas Luiz (Aston Villa), Bruno Guimarães (Lyon) e Lucas Paquetá (Lyon); Richarlison (Everton), Gabriel Jesus (City) e Vinícius Júnior (Real Madrid).
Metade desse time, no entanto, deve estar na Copa América (casos de Lodi, Bruno Guimarães, Douglas Luiz e do trio de ataque). A outra metade necessitará de liberação por parte dos seus clubes. No Pré-Olímpico, em janeiro de 2020, por exemplo, Jardine precisou refazer a lista depois que os europeus se negaram a liberar oito jogadores, ou um terço da lista: Douglas Luiz, do Aston Villa, Douglas Augusto (volante do Paok), Wendell (volante do Sporting), Emerson, lateral-direito do Bétis, Ayrton Lucas (lateral-esquerdo do Spartak Moscou), Gabriel Martinelli, do Arsenal, e Ibañez e Gabriel Magalhães, à época na Atalanta no Lille.
Como o calendário brasileiro foi espremido pela pandemia, o Brasileirão e a Copa do Brasil seguirão em paralelo à Copa América. Serão 10 rodadas da Série A e o jogo de volta da Terceira fase da Copa. Ou seja, mesmo numa provável convocação de jogadores domésticos para a Olimpíada, Jardine precisará equilibrar sua lista. Afinal, quem perder nomes para a Copa América dificilmente aceitará ceder na mesma medida para a Olimpíada, que desfalcará os times em, pelo menos, cinco rodadas do Brasileirão e nas oitavas da Copa do Brasil e da Libertadores. Casos de Palmeiras e Flamengo, por exemplo. Gabriel Barbosa, Everton Ribeiro, Bruno Henrique e Gerson, esse sub-24, têm potencial de convocação.
O mesmo vale para Weverton, bem cotado para ser um dos acima do sub-24 em Tóquio, Gabriel Menino, esse da lista de Tite, mas com idade olímpica, e alguns emergentes, como Patrick de Paula, Danilo e Verón, todos com idade para ir ao Japão. Nos casos de Grêmio e Inter, há bons nomes em idade olímpica, como Vanderson, Matheus Henrique, Jean Pyerre, Praxedes, Maurício e Yuri Alberto. Porém, a quantidade exigirá uma escolha de Sofia de Jardine. Assim como está exigindo, desde agora, uma engenharia para saber quem poderá levar. Afinal, neste momento, a pergunta que fica é esta: com que seleção vamos defender o ouro no Japão?