Os torcedores dos outros clubes alemães os olham atravessados. Por vezes, vão além disso, como em 2016, quando uma cabeça de touro foi jogada na beira do campo em Dresden. Ou quando torcedores do Dortmund perseguiram e agrediram um grupo de fãs, ignorando a presença de mulheres e crianças. Sucesso no campo, modelo de gestão fora dele, o RB Leipzig chegou e mexeu com a estabilidade do futebol alemão, alicerçada na tradição. O time está nas semifinais da Liga dos Campeões.
E é bom prestar atenção nesse roteiro que se desenrola no país de Beckenbauer. Porque ele se repetirá aqui bem antes do que você imagina, com o RB Bragantino.
O futebol alemão é regido pela lei do 50% mais um – ou seja, os clubes e seus sócios devem ser donos de mais da metade das ações. É uma medida para evitar que magnatas ou empresas aterrissem por lá e mandem para o espaço a tradição. Mesmo que a Bayer tenha o Leverkusen, a Volkswagen comande o Wolfsburg e a SAP, o Hoffenheim, a regra mantém a Bundesliga a salvo do humor de donos dos clubes.
Alemães, todos sabemos, são apegados às tradições. Por isso, há mais do que ranço dos rivais com o RB Leipzig. O temor, no fundo, é de que o sucesso do negócio arquitetado pela Red Bull abale esse status quo.
O Leipzig é projeto de sucesso em tempo recorde. Em 11 anos, saiu da quinta divisão para se imiscuir entre os quatro melhores da Europa. Sem mudar em um fio a estratégia de negócio, de apostar em jovens para criar estrutura autossuficiente, que não dependa do sucesso na venda dos energéticos.
É verdade que, para atender à norma do 50% mais um houve um jeitinho meio brasileiro.
A Red Bull é dona de 49% do clube. Os 51% restantes pertencem a 17 associados, todos do quadro da empresa. Novos sócios não são bem-vindos. A anuidade, sem direito a voto, é de 1 mil euros – no Dortmund, é de 62 euros, com direito a voto.
Jeitinho
Outro drible foi no batismo. A lei impede que empresas há menos de 20 anos no comando dos clubes usem suas marcas no nome. Como solução, o Leipzig registrou-se RasenBallsport. Numa tradução livre, clube de esportes de grama com bola. Mantém o RB que distingue os times da fabricante de energético.
Nada foi por acaso no RB alemão. A escolha de Leipzig foi a dedo. Uma das principais cidades da antiga Alemanha Oriental, estava carente de futebol – como toda a porção leste. Além disso, o Zentralstadion, reformado para a Copa de 2006, virou elefante branco. Uma pesquisa local, em 2010, indicou que 70% da população aprovava um novo clube.
O ambiente, portanto, era fértil para o projeto vicejar. O passo seguinte foi implantar o modelo de sucesso do austríaco RB Salzburg. Um CT com seis campos foi erguido para abrigar do sub-13 ao sub-19. A construção do prédio principal foi finalizada em 18 meses e incluiu uma escola. Hoje, os profissionais usam a mesma estrutura. Cada jogador tem seu quarto personalizado.
Apostas
Para comandar a base, a Red Bull buscou Frieder Schorf, referência nacional e responsável por lapidar nomes como Mário Gomez e Sami Khedira no Stuttgart. Schorf respondia a outro nome de relevo na Alemanha, o técnico Ralf Rangnick, que virou o gerente geral. Foi Ralf, já como coordenador dos clubes da Red Bull, que veio ao Brasil para apontar os caminhos ao Bragantino.
O clube apostou na revelação como modelo de negócio. Jogadores com mais de 24 anos são veteranos. O plano é dar vitrine e revendê-los a peso de ouro.
O lateral-esquerdo Dani Olmo, 22 anos, saiu do Barcelona aos 16 para o Dinamo Zagreb, onde foi buscado em janeiro. O atacante americano Adams, 21, veio do RB New York. O grande destaque é o zagueiro francês Upamecano, 21. Sonho de consumo dos grandes europeus, veio do irmão RB Salzburg.
O projeto do RB brasileiro segue a mesma linha. As compras para 2020 foram de jovens com potencial de bom negócio. Os treinos são em um CT que já era usado pelo RB Brasil, em Jarinu, com três campos, piscina, academia e alojamento para 100 garotos. O Estádio Nabi Abi Chedid passa por reformas desde dezembro. Portanto, toda essa história que você viu na Alemanha logo se repetirá aqui. Rompendo com as tradições fora do campo. E nem adianta odiar os protagonistas.