A trajetória de Rui Costa no Atlético-MG acabou no começo de março. Ele decidiu esperar o final do semestre em Belo Horizonte, devido às aulas dos filhos. Só que veio a pandemia e nem mesmo com a quarentena nas escolas conseguiu deixar Minas Gerais para se instalar outra vez em Porto Alegre e ficar perto dos pais, octogenários.
Rui aproveita o tempo para se atualizar e analisar o cenário preocupante que a covid-19 constrói para o futebol. Por telefone, Rui conversou com a coluna e traçou um panorama do que virá quando esse furacão coronavírus passar. Confira.
Como você acredita que será o cenário pós-pandemia no futebol brasileiro?
Acho que valorizará os profissionais nos clubes. Não me refiro apenas aos diretores executivos. Serão necessários um grande CEO, um diretor de marketing de ponta, já que o momento exigirá geração de conteúdo para mobilizar o torcedor que não poderá frequentar o estádio, acredito que a volta do futebol será sem público. E sem torcida o futebol é um espetáculo totalmente diferente. Por isso, também, as equipes terão de contar com treinadores dotados de outras valências, com capacidade de mobilização em que não se encontra em qualquer um. Imagina um Gre-Nal, um Corinthians x Palmeiras sem torcida com estádio vazio. Nem todos os jogadores vão reagir bem a essa falta de público.
O quanto exigirá de mudança na gestão esse novo cenário?
Os clubes precisarão de algumas mudanças, contratando profissionais. A quantidade de improvisação terá de ser pequena na gestão. Será aceita apenas aquela criativa. Os clubes têm de buscar meios de sustentar um grupo de jogadores sem a receita imediata da bilheteria. Por isso, faço questão de dizer, não será só o diretor executivo o profissional necessário. mas também o CEO que crie condições para o futebol retroalimentar o processo, para o marketing fazer o mesmo. Quem estiver bem adiantado em termos de profissionalização, se movimentará melhor na crise. Grêmio e Inter estão nesse grupo. As decisões terão de ser tomadas com rigor.
Sem comparar as situações, até porque são histórias muito distintas, mas você encarou na Chapecoense um cenário de reconstrução. É possível buscar alguma lição daquela remontagem do time?
Lá também as decisões exigiram muito rigor. Houve a tragédia, e o clube buscou profissionais no mercado, como o diretor-executivo, o jurídico, se profissionalizou para se reconstruir. Sem comparar o que houve lá, mas alguns clubes precisarão passar por esse processo de profissionalização, vão partir do zero. Alguns terão de se reinventar.
Algumas clubes históricos podem quebrar com essa crise?
Acho que quebrar, não. Na verdade, não temos parâmetro. A última vez que o esporte mundial passou por algo dessa magnitude foi na Segunda Guerra Mundial. O futebol brasileiro vem sobrevivendo com dívidas e parte da premissa de que a paixão não permite a falência. Essa premissa vai acabar. Fechar as portas de clubes, não acredito que veremos. Mas algumas grandes camisas sofrerão muito no aspecto esportivo. O clube que não conseguir montar um time competitivo e não for transparente com o torcedor, anunciando que jogará apenas para escapar do rebaixamento, sofrerá muito.
Sem dinheiro, como ficará o mercado de contratações?
Os clubes passarão a investir em inteligência, como scouts, analistas de mercado. São eles que garimparão mercados como as Séries B e C. O abastecimento de jogadores se dará no mercado interno. Com o dólar e o euro em alta, quem não tiver investidores precisará apostar na base e olhar esse mercado das divisões menores. Haverá muito troca-troca. Os clubes precisarão ficar de olho nas listas de dispensas dos rivais, e daí sairão negociações com salários partilhados. Acabará aquela estratégia de não emprestar para adversários. Cada um tratará de aliviar sua folha de pagamento. Os estrangeiros, pelo menos aqueles que chegam para ser titulares, sairão do radar.
O clube que não conseguir montar um time competitivo e não for transparente com o torcedor, anunciando que jogará apenas para escapar do rebaixamento, sofrerá muito
RUI COSTA
ex-executivo do Grêmio
Quanto tempo você estima que dure essa retomada. Dois anos é um período razoável?
Concordo contigo, acho que levará duas temporadas europeias. Até porque não teremos vendas para lá. Mesmo clubes ricos estão segurando recursos. Real Madrid, PSG, claro que contratarão, mas buscarão no mercado europeu. Acho que não virão aqui pagar 45 milhões de euros por um jogador do Santos, do Grêmio ou do São Paulo, como vimos recentemente.