Talvez apenas Ibrahimovic tenha no mundo uma situação melhor que a de Diego Bustos, o colombiano filho do ex-lateral de Grêmio e Inter, Rubén Bustos, que atua no São José. Ibra se refugiou da pandemia na Suécia e mantém a forma treinando todos os dias no Hammarby, clube do qual é o principal acionista. Diego não tem um clube próprio. Mas desfruta de um estádio só para si. O lateral de 18 anos não conseguiu voltar para Cali e acabou em quarentena no Passo D'Areia. Neste momento, ele é o único morador por lá, com um campo exclusivo para treinar, academia liberada e, o melhor, guardado pela equipe de segurança do clube.
O colombiano até cogitou de retornar para casa. Diante da iminência do fechamento das fronteiras, temeu por ficar retido em algum aeroporto no meio do caminho e viu, na possibilidade de ficar alojado no Passo D'Areia, uma grande oportunidade. O clube conta com oito quartos equipados com ar condicionado, TV a cabo e internet banda larga. Como os demais jogadores hospedados ali voltaram para casa, barulho e distrações deixaram de ser problema. Faltava apenas um fogão para que ele fizesse sua comida, o que foi providenciado pelo seu agente, Walter Cirne, e pelo gerente executivo do São José, Luciano Oliveira. Criou-se, assim, um ambiente perfeito para que ele usasse a quarentena para treinar e pensar apenas em futebol.
Diego elaborou uma rotina a qual segue religiosamente. Acorda por volta das 8h30min, toma o café da manhã e, três vezes por semana, pega as cinco bolas que o clube deixou e vai para o campo. A preparação física do São José manda, por vídeo, os trabalhos a serem feitos. Por volta do meio-dia, usa a cozinha montada para ele no refeitório e prepara o almoço. Nada muito elaborado, mas muita massa para dar energia, saladas e, geralmente, frango. O começo da tarde é destinado ao ócio. É quando faz chamadas de vídeo para a família, assiste a alguma série ou abre o livro que ganhou de uma tia. É uma obra de autoajuda e tem a ver com o momento: "Sua melhor vida agora - Sete passos para viver em seu máximo potencial".
O treino da tarde é o grande momento. É quando Diego se concentra no que mais gosta, que é treinar falta. Posiciona a barreira móvel, coloca uma camiseta pendurada na trave e faz cerca de 200 cobranças. Inspira-se no pai, que ficou famoso na América o Sul fazendo gol de falta pela seleção colombiana e até a Bombonera, contra o Boca. Os preparadores do São José só limitaram a quantidade de cobranças, para evitar lesão. À noite, Diego ainda faz uma sessão de exercícios em videoconferência que liga Colômbia, Miami e o Passo D'Areia. Por WhatsApp, chama os amigos de Cali, onde jogou o América, e de outras cidades do seu país e o irmão, Emanuel, de 17 anos, atacante em uma academia de futebol na Flórida. É nessa hora que mata a saudade da resenha que preenche o tempo dos jogadores.
- É uma rotina, mas não presto muita atenção a isso. Me concentro mais em treinar, me aperfeiçoar. Também faço minhas orações, sou muito entregue a Deus. Como treino bastante, acabo por dormir cedo, no máximo, às 22h30min já estou na cama - conta o colombiano.
A disciplina de Diego e a naturalidade com a qual lida com o confinamento espantam Luciano. Como precisa resolver questões administrativas do clube, ele costuma passar, pelo menos, um turno do dia no Passo D'Areia. Sempre consulta o lateral sobre alguma necessidade ou puxa uma conversa para quebrar seu silêncio. A reação pouco muda:
- Ele tem uma força mental impressionante. É muito determinado. Alguns jogadores do grupo o convidaram a se hospedar em suas casas nesses dias. Ele recusou todos os convites porque aqui no estádio poderia se concentrar no trabalho - conta o dirigente.
Walter sugeriu também que Diego ficasse em sua casa. Ouviu um não e nem insistiu mais. O São José abastece a despensa e cuida para que nada falte ao seu lateral importado. Na Sexta-Feira Santa, por exemplo, Luciano correu no clube para levar-lhe um peixe para o almoço. Nada falta para o colombiano. Aliás, até falta. Faltam 21 jogadores no campo. Mas isso seria uma aglomeração e, neste momento, isso está fora dos planos. A ordem é para que cada um fique em sua casa. No caso de Diego, em seu estádio.