Jogar. Conjugar esse verbo virou o mantra no vestiário do Caxias neste começo de temporada. Há três meses no Centenário, Luiz Roberto Magalhães, o Pingo, fez da bola artigo fundamental no modelo de futebol adotado pelo clube. Um ato de coragem, pode-se dizer. Em um ambiente em que prevalece o futebol de força, pegada e muita transpiração, o técnico agregou o toque e a troca de passes. Seja contra a Dupla ou qualquer outro time do Interior, seja em casa ou fora, o Caxias faz sempre o mesmo: joga.
Aos 51 anos, Pingo vive seu grande momento numa carreira que começou há 10 anos. É a primeira vez que alcança o reconhecimento fora de Santa Catarina como técnico. No lado de lá do Mampituba, ele já construiu fama de um treinador adepto do jogo bem elaborado. Foi assim desde que assumiu o sub-20 do Joinville da sua cidade natal, para onde voltou depois de brilhar como um volante vigoroso, mas de boa técnica. Em uma década, rodou por Juventus, de Jaraguá, Joinville, Metropolitano, Avaí e Brusque, pelo qual passou três vezes – era o treinador em 2017, quando caiu nos pênaltis para o Corinthians na Copa do Brasil.
O Pingo técnico constrói seus times à imagem daquele volante do Botafogo, do Grêmio campeão da Copa do Brasil de 1994, do Flamengo do “melhor ataque do mundo, Sávio, Romário e Edmundo” e do Cruzeiro. Ou seja, uso da força apenas para recuperar a bola. Com ela nos pés, a única exigência é ousadia para desfrutar com ela. Parece uma fórmula simples. Mas não é. Por isso, o trabalho de Pingo nos clubes começa por, primeiro, convencer a todos de que é possível jogar futebol dessa forma.
À Tive alguns problemas de resistência no início, é normal e natural. Em Santa Catarina, também acontecia, por mudar o estilo de jogo das equipes. Quando você faz isso, há certa resistência. Até acostumar a torcida e os dirigentes, demora um pouco – conta o técnico, em conversa por telefone, na noite da quinta-feira (21).
O começo no Caxias causou algum espanto. Os próprios jogadores remanescentes de 2018 se assombraram quando Pingo começou a pregar um modelo de jogo que vai na contramão do que se apregoa no interior gaúcho. O espanto evaporou nos primeiros treinos. Os atletas perceberam que atuariam com a bola, em vez de correr atrás dela. Parece óbvio, mas jogador gosta é de jogar bola. Se a regra permitisse, cada um entraria com a sua no campo. Assim, o vestiário, evidentemente, abraçou a ideia.
— Os atletas gostam muito de jogar, de ter a bola, gostam de liberdade. Eu dou muita liberdade. No início, o dirigente fica um pouco preocupado porque gosto de sair trocando passes lá de trás, e isso representa riscos. Mas são riscos calculados — explica.
Os números sustentam o modelo adotado por Pingo. O ataque é o segundo melhor do Gauchão. Fez 18 gols, só atrás do Grêmio, com 29. Contra o Inter, no Beira-Rio, o Caxias perdeu por 2 a 1. Mas chutou mais a gol, teve mais posse de bola (54% a 46%) e acertou 116 passes a mais (497 a 381). Contra o Grêmio, levou o primeiro gol quando tinha mais de 60% de posse bola. O resultado foi duro, 3 a 0. Mas em nenhum momento foi abandonada a ideia de futebol. Foram 328 passes certos contra 300 do Grêmio, reconhecido pelo jogo apoiado.
Por tudo isso, o Caxias entra como favorito nas quarta de final, contra o Aimoré, neste domingo. Há otimismo no Centenário. O clube, depois de arder na Segundona gaúcha, passou por um processo de profissionalização e hoje está com as contas administradas. A avaliação é de que se apronta para escalar divisões no Brasileirão. Depois do Gauchão, virá uma Série D dura. A corrida começa contra Tubarão, Cianorte e São Caetano. Em campo, depois de um estranhamento inicial, o jogo elaborado implantado por Pingo parece ser convicção.
— Não tirei o que o Caxias tem de bom, o futebol de marcação, de força. Só acrescentei um jogo de coragem. Sempre com respeito ao adversário, mas atuando do mesmo jeito, seja em casa ou fora — resume Pingo, o professor coragem.