José Tarciso de Sousa foi um humilde. E por ser um humilde, tornou-se um dos jogadores mais importantes destes 115 anos de vida do Grêmio. Suportou com bravura a pior década da história do clube, quando o rival patrolava e ganhava tudo numa combinação fatal no futebol, que mistura qualidade e confiança. Tarciso soube digerir a dor da derrota para, em 1977, ser protagonista no título que fez do Grêmio o clube de vulto mundial que é hoje.
Não foi fácil. Aliás, nunca foi fácil para o mineiro de São Geraldo, que nasceu, olha que coincidência, em um 15 de setembro, como o clube do qual virou ídolo e torcedor. Tarciso chegou ao Grêmio porque, pelo América-RJ, em 1972, desembarcou em Porto Alegre para enfrentar o Inter um gelado agosto. No Hotel Everest, recebeu o alerta:
— O Figueroa e o Pontes vão acabar com você.
Numa época em que as notícias demoravam a chegar, Tarciso não sabia quem era o Figueroa e nem seu cotovelo que encontrava o nariz dos centroavantes. Muito menos quem era Bibiano Pontes, o caçula de uma família de zagueiros que arrepiavam atacantes no Interior. Mas, com sua humildade, entrou em campo, fez gol e saiu vivo.
Em janeiro, o Grêmo o contratou. Em um primeiro momento, recusou a ideia: como iria morar numa cidade tão fria? Estava em sua retina ainda o café com conhaque servido ao final daquele jogo com o Inter, para descongelar as pontas dos dedos.
Tarciso veio e nunca mais saiu. Foram 45 anos na cidade em que constituiu família e da qual virou vereador. Construiu uma história de 723 jogos e 226 gols pelo Grêmio. Ninguém atuou mais pelo clube. Só Alcindo fez mais gols do que ele.
Tarciso nos deixou na madrugada desta quarta-feira (5). O futebol gaúcho perde um dos seus símbolos. E um sujeito de uma humildade e de uma simplicidade comoventes. Antes de de encerrar esse texto, conto uma rápida história, que ouvi dele na arquibancada do Olímpico, em 2017, numa entrevista para o especial Os 7 de 77, pelos 40 anos da conquista do Gauchão.
Tarciso recém havia chegado do América-MG, e o verão de 1973 era escaldante, como costumam ser os verões em Porto Alegre. O Grêmio, para economizar, o colocou na Caverna, como era conhecido o alojamento destinado aos garotos da base sob as cadeiras do Olímpico.
O abafamento do lugar e os mosquitos fizeram o à época centroavante comprar um ventilador desses de pedestal. Nas primeiras noites, pegou no sono e não percebeu que os companheiros de alojamento o roubavam na madrugada. Acordava empapado de suor, irritado. Adotou uma prosaica estratégia: amarrou o ventilador no pé, com o fio de energia. Pronto, o problema estava resolvido.
Passadas algumas semanas, Tarciso percebeu que havia algo fora do lugar. Já era um profissional, não poderia estar ali, passando por aquele sufoco, entre os meninos da base. Procurou a direção. Com sua voz baixa, sem jeito, reivindicou um apartamento.
— Olha só, já sou um profissional — disse, cuidando cada vírgula em sua reivindicação.
O Grêmio prontamente o colocou em um apartamento. Tarciso retribuiu com 13 anos de dedicação ao clube e títulos: Gauchão (cinco), Brasileirão, Libertadores e Mundial. Nesta madrugada, ele disse adeus aos 67 anos. O Flecha Negra, o atacante que corria 100 metros em 10 segundos não precisava ser tão rápido dessa vez.