Sabe aquela troca de passes quase sem fim dos times treinados por Fernando Diniz? Pois bem, ela não tem nada de tática. E tudo de relações humanas. O modelo que quebra o eixo do futebol brasileiro, sempre tão apegado ao lance individual, nasce nas relações construídas fora de campo pelo psicólogo Fernando Diniz, que neste domingo visita o Grêmio, na Arena.
Mineiro, 44 anos, ex-meia-esquerda de grandes como Corinthians, Palmeiras, Fluminense, Flamengo e Cruzeiro nos anos 1990 e 2000, Diniz foi um jogador talentoso. Mas não encontrava a felicidade plena no futebol. Fez oito anos de terapia e depois decidiu cursar Psicologia. Queria entender as desigualdades no futebol e outros descaminhos da vida.
Numa entrevista ao site Lance! em 2016, em meio às finais do Paulistão contra Santos, Diniz admitiu que pensar demais durante os jogos o impediu de chegar à plenitude como jogador. E o jogo, diz ele, "precede o pensamento", exige espontaneidade.
Diniz diz que jogou futebol para virar técnico. Sente-se realizado hoje. A gestão das pessoas o seduz. Está nela a base do modelo de jogo estruturado na troca de passes. Para fazer com que o time deixe de lado vaidades e corra de forma solidária, ele cria um círculo de confiança. Usa como trunfo a bola.
— O Diniz é diferente. Todo mundo gosta de jogar com ele. É mais cansativo, quando perde tem de recompor rápido. Mas não tem jeito, jogador gosta é de estar com a bola, e com o Diniz você está sempre com ela — diz o meia Ytalo, ex-Inter, que trabalhou por três anos com o técnico no Audax.
Ytalo, 30 anos, inicia a entrevista com um aviso: está longe de ser a pessoa mais adequada a falar de Diniz. Trata-se de um devoto do técnico. Depois de sair de casa aos 18 anos e passar 12 longe da família, encontrou no Audax um amigo:
— Já chorei abraçado nele, também já sorri. É o único treinador pelo qual posso dizer que dou a vida no campo.
Esse, aliás, é mais um dos segredos do treinador. No dia a dia, atua como psicólogo. Aproxima-se para conversar, passa orientações táticas e, principalmente, conselhos a serem levados para a vida. O discurso de Ytalo é engrossado pelo atacante Mike, hoje emprestado pelo Inter ao Paysandu. Os dois trabalharam juntos no vice paulista do Audax em 2016.
— Ele quer que joguemos bola. Encoraja todos a isso, desde a zaga até o ataque. Quando começa a dar certo, você vê grandes possiblidades e começa a gostar de atuar dessa forma — conta o atacante.
Diniz encontrou no Atlético-PR a chance de, enfim, implantar suas ideias em um clube da Série A. Foram cinco anos no Audax. Levou-o do acesso no Paulistão, em 2012, ao vice estadual em 2016. Em 2017, caiu à Série A-2. Afora a passagem pelo Paraná, na Série B 2015, estava restrito ao interior paulista. O Atlético-PR o tirou do Guarani-SP em janeiro e deu-lhe quatro meses para preparar o time.
A partida deste domingo, contra o Grêmio, será a nona em 2018. São quatro vitórias e quatro empates. Contra o Newell's, o time deu as caras. Fez 3 a 0 em 36 minutos. O terceiro gol veio depois de 46 segundos e 28 passes, com 10 jogadores, incluindo o goleiro Santos, participando da jogada. Na estreia no Brasileirão, fez 5 a 1 na Chapecoense. Na quarta-feira, buscou o 2 a 2 com o São Paulo e avançou na Copa do Brasil.
O gaúcho Tiago Nunes comandou os aspirantes no Estadual enquanto Diniz afiava o time principal. Conviveu de forma direta com o técnico nestes quatro meses no CT do Caju. Tiago ganhou um parceiro no dia a dia que, em nenhum momento, tirou sua autonomia. O resultado foi o título paranaense e seis jogadores promovidos.
— O Diniz é um cara generoso, constrói a maneira de jogar dele muito baseada nas relações pessoais, de confiança e no prazer em jogar futebol — resume Tiago, fazendo a síntese de um psicólogo que adora a bola.