Quem gosta de futebol, daquele futebol saboroso e ao mesmo tempo competitivo que vemos chegar às nossas TVs pelo sinal que atravessa o oceano, deveria ouvir Xavi Hernández. O catalão, 38 anos a serem completados no próximo dia 25, criado e crescido no Barcelona, abasteceu nesta semana o mundo da bola com uma entrevista ao jornal espanhol El País que deve ser recortada e guardada.
Xavi recebeu o repórter Diego Torres em Doha e, ali, jogou luzes sobre o futebol jogado e estudado em nossos dias. É bem verdade que, como produto genuíno de La Masia, a categoria de base do Barcelona, ele é defensor ardoroso do jogo instituído pelo clube, de toque, de valorização da bola, de um modelo plástico e eficiente ao mesmo tempo. Xavi vai à potencialidade máxima na defesa desse estilo e enxerga em Pep Guardiola o grande guru.
Xavi ainda pensa o futebol em campo, em jogos desinteressantes do Al Sadd. Mas, na maior parte do seu dia, debruça-se a pensar o futebol fora dele. É quando dissemina as ideias aprendidas no Barcelona que fizeram do jogador de 1m68cm um gigante. Em Doha, atua como instrutor dos técnicos de futebol do país, auxilia na organização da Copa de 2022 e aconselha a família real, os Al Thani, em seus investimentos em futebol.
Perceba que em nenhum momento desse texto identifico Xavi pela função em campo. Nada de volante, meia, meio-campista. Faço isso em respeito a ele. Porque, para Xavi, o futebol não tem posição em campo. Tem a bola, o que fazer com ela e o que fazer sem ela. O catalão é um fundamentalista do que classifica como jogo de "espaço e tempo".
As pessoas ainda pensam que o rondo (rodas de bobinho) é brincadeira. Não! É um exercício incrível: as duas pernas, olhar a segunda linha, dar um passe por dentro, atrair, atrair e, quando o defensor vier, pronto, dá o passe para o outro lado. Você não se cansa
XAVI
O que significa? Significa jogar futebol e não bola. Significa ter a bola nos pés o máximo de tempo possível, tramar com ela o suficiente para desorganizar o rival e, assim, abrir espaços onde parece não existirem.
Para fazer isso, defende Xavi, os jogadores precisam entender o jogo, compreender seus meandros, esquadrinhar o campo com a bola nos pés, fazer movimentos que forcem o rival a se desarticular. Não se importa se seu time joga com três meias, dois volantes, quatro atacantes ou cinco zagueiros.
O que importa é como eles se posicionam em campo, por onde infiltram, como reagem quando, com a bola, precisam da melhor solução no menor espaço de tempo.
O Barcelona ensina isso em sua categoria de base. Faz com que os jogadores desenvolvam uma cultura de futebol coletivo que potencialize seu talento. Em determinado momento da entrevista ao El País, Xavi compara Busquets a Casemiro. São dois jogadores de um mesmo setor do campo. São dois jogadores titulares de suas seleções. São dois dos melhores do mundo. Mas diferentes como água e vinho. Busquets joga mais com a cabeça do que com o corpo. Casemiro, mais com o corpo do que com a cabeça, embora seja exuberante, é bom que se diga. A velocidade e a força com que guarnece e estabiliza a defesa do Real Madrid, Busquets nunca terá. Por outro lado, o catalão organiza e pensa o jogo de uma forma com a qual Casemiro nunca conseguirá.
Precisamos falar de futebol
O que Xavi fez, usando as figuras de Casemiro e Busquets, foi trazer à mesa o debate sobre duas escolas de futebol predominantes hoje. Há quem jogue e há quem espere para jogar. A primeira escola tem como protagonistas o Barcelona e o Manchester City de Pep Guardiola. E seguidores como o Betis, de Quique Setién, e Lanús, de Jorge Almirón, e o Independiente, de Ariel Holán, numa versão sul-americana.
No Barcelona, entendemos o futebol como espaço-tempo. Quem o domina? Busquets, Messi, Iniesta. São mestres do espaço-tempo. Sempre sabem o que fazer
XAVI
Uma outra corrente tem como pilar a marcação, a pegada, a imposição física e a saída em alta velocidade. Seus principais garotos-propaganda são o português José Mourinho e o argentino Diego Simeone. São equipes pragmáticas e abnegadas que também chegam ao resultado. A questão debatida aqui, porém, não é o resultado, mas o jogo em si, a forma como é construído, se com a bola ou à espera dela.
São as formas pensar o jogo que fazem Xavi falar como um técnico embora ainda esteja na ativa dentro de campo. A discussão está posta e deve ser levada adiante. Precisamos falar mais de futebol. E isso, é bom que se diga, não é o mesmo que jogar bola.