Rize é uma cidade às margens do Mar Negro, emoldurada por montanhas geladas no rigor do inverno. É também o endereço escolhido por Lincoln, 19 anos, para fazer a nem sempre breve transição de promessa à realidade no futebol. No caso do meia, ela se prolonga há três temporadas, potencializada pela cobrança direta dos torcedores do Grêmio e, também, pelas indiretas, na forma de expectativa por um novo Ronaldinho.
Já passa das 21h em Rize quando Lincoln atende com sua voz de trovão à chamada via WhatsApp. O inverno por lá já não se apresenta tão austero. Os termômetros marcam cerca de 8ºC, o que para um guri criado em Porto Alegre soa familiar. Tratar Lincoln como guri, na verdade, é até heresia. Bastam poucos minutos de conversa para se perceber a maturidade do meia. A promoção precoce no Grêmio, aos 16 anos, a chegada de Lincoln Jr., há seis meses, e a união com Adriana Müller o fizeram se tornar adulto antes do tempo.
As vicissitudes da vida também contribuíram de forma decisiva. Em dezembro, estava em férias com a mulher e o filho nas Ilhas Maldivas, paraíso no Oceano Índico, quando recebeu a notícia da morte da mãe, Clode. Interrompeu as férias, fez escala na Turquia e atravessou o mundo para se despedir de sua maior incentivadora. Foi um golpe duro. Como havia sido a perda do pai, aos nove anos.
– Isso, com o tempo, me deu força. Na verdade, te obriga a buscá-la, a ter uma outra cabeça para ir em frente. Infelizmente, teve o ocorrido com a minha mãe. São lacunas que nunca serão preenchidas na vida de uma pessoa – resume com firmeza de arrepiar.
A maturidade é que permitiu a Lincoln topar a mudança para jogar na Segunda Divisão turca e morar numa cidade a 110 quilômetros da Geórgia.
– Tenho aprendizado enorme aqui na Turquia. Foi uma oportunidade que quis ter – ressalta.
O Rizespor é, ao lado do chá, o grande símbolo de Rize, capital do Estado homônimo. As plantações de chá da região são famosas em toda a Turquia. Inclusive, um museu da especiaria no centro da cidade está entre os poucos pontos obrigatórios aos turistas.
O Rizespor luta para voltar à elite. Está em terceiro na tabela, um ponto atrás do líder. Nos últimos cinco jogos, venceu quatro. Há um outro brasileiro no time, o zagueiro Maurício Ramos, ex-Palmeiras, um paraguaio, Samúdio, ex-Guarani-SP, um meia italiano e outro alemão e alguns africanos. O restante do grupo é formado por turcos. O momento de Lincoln é bom. Tem atuado, mas nem sempre como titular. O técnico Íbrahim Üzülmez o escala como meia centralizado. Mas também já o usou pelo lado e como volante. Lincoln gostou da ideia. Nos treinos, pede a Üzülmez para atuar nessa função. Acredita que, com isso, se completará como jogador.
– Assim, trabalho mais a marcação, algo no que, acredito, preciso evoluir. Sem contar que, numa situação de jogo, caso o time precise, estarei apto a fazer – explica.
Mesmo que não seja entre os maiores da Turquia, o Rizespor oferece estrutura de clube grande. O CT é de primeira linha. Há dois campos e um terceiro em construção. Sua estrutura oferece piscina aquecida, sauna e hotel para os jogadores. O estádio, com vista para o Mar Negro, tem cerca de 20 mil lugares. Não é todo fechado, mas não falta conforto.
Lincoln mora com a mulher e o filho em um apartamento. Mantém uma rotina pacata de treino-casa-treino. Quando anda pela rua, chama a atenção, pela pele negra e pelas tatuagens, segundo ele, raras entre os turcos. Os torcedores são respeitosos e só observam de longe. Aaproximam-se apenas quando o pequeno Lincoln Júnior está junto. O guri faz sucesso em Rize. Quase sempre, os turcos pedem para fazer selfies com ele. Ou se oferecem para segurá-lo enquanto o meia e a mulher jantam num dos restaurantes da cidade.
– É porque é lindo como o pai – provoca, em um dos raros instantes de descontração na entrevista.
Em junho, Lincoln volta ao Grêmio. No momento, garante, nem pensa nisso. Diz estar totalmente concentrado em jogar e ganhar mais rodagem na Turquia. Mas avisa: a torcida verá um outro jogador.
– Estou com o foco todo aqui. É um aprendizado, voltarei mais experiente. Na vida, tem de abrir mão de algumas coisas para ganhar em outras – ensina.