O melhor diagnóstico ouvido por Wagner na última quinta-feira veio em casa. O pequeno Antônio, de quatro anos, ao escutar que o pai havia vencido o linfoma de Hodgkin, exaltou:
– Agora, não vai mais precisar do remedinho.
O remedinho, no caso, eram as 12 sessões de quimioterapia que tontearam o zagueirão do São José nos últimos seis meses, quando sua vida foi sacudida de forma tão aguda que ele ainda não entendeu tudo o que se passou. No final de junho, Wagner foi diagnosticado com linfoma de Hodgkin, um tumor que se inicia nos gânglios linfáticos, responsáveis pela produção e distribuição de grande parte das células do sistema imunológico. Em resumo, câncer.
A descoberta foi quase ao acaso. Em Blumenau, onde o São José enfrentaria o Metropolitano, pela Série D, ele e o goleiro Fábio mantiveram a rotina nas concentrações e dormiram com o ar-condicionado a 17ºC. Apesar de enregelado, acordou ensopado de suor.
No jogo, Wagner ficou menos de 10 minutos em campo. Esticou a perna e sofreu um estiramento no adutor da coxa. Na volta para casa, sentia-se cansado ao menor esforço e tinha quadro de vômito. Sua pele ficou amarelada. Seu estado de saúde foi piorando. Desconfiou-se de hepatite, descartada nos exames. Mas havia algo anormal. As dores no abdome, outro sintoma do linfoma de Hodgkin, o castigavam. Numa noite, precisou de três comprimidos de Paracetamol para dormir. Quatro dias depois do jogo, Wagner chegou à emergência do Hospital de Clínicas debilitado.
O zagueiro acabou internado. Dias depois, às 7h30min da manhã, o médico entrou no seu quarto com o diagnóstico assustador. Wagner estava sozinho naquele momento. A mulher, Luana, a mãe, Marilda, e o pai, Roque, ainda não haviam chegado ao hospital. O jogador pediu um tempo ao médico. Foram 30 minutos em que chorou a valer e colocou para a fora a indignação de viver, aos 28 anos, um drama incomum, ainda mais para um atleta. Também veio o medo de não ver os filhos crescerem.
Essa meia hora foi o tempo de sofrimento que Wagner se concedeu. Por que, depois disso, deflagrou sua guerra particular pela vida. Não tinha o direito de fraquejar. Além de Antônio, de quatro anos, Maria Helena chegaria dali a cinco meses. Era preciso ser mais zagueiro do que nunca.
Wagner se inspirou em seu avô, que morreu em 2010 vitimado pelo câncer. Mesmo debilitado, Seu Ariosto mantinha o astral elevado e o sorriso no rosto. No momento mais duro da sua vida, o zagueiro se lembrou da resposta que o avô lhe deu quando indagou-o de onde tirava tanta força:
– Wagner, não adianta ficar chorando, deitado numa cama. Preciso estar de bem com a vida.
Esse foi o seu mantra nesses últimos seis meses. Por vezes, fraquejava, confessa. Mas só quando estava em casa, sozinho. Por vezes, em conversa com a mulher, questionava a razão de passar por tudo aquilo. Logo, porém, respirava fundo e seguia em frente. Adotou como estratégia minimizar a doença. Colocou na cabeça de que estava com um resfriado e logo voltaria a jogar. Talvez por isso tenha sonhado tantas vezes que estava em campo. Para aplacar a saudade, fazia visitas quase diárias ao São José. Como a escola do filho é vizinha ao Passo D’Areia, batia ponto no clube antes e depois de pegá-lo. Por vezes, caminhava no gramado.
O biótipo de atleta ajudou na recuperação. Os efeitos da quimioterapia se manifestaram mais fortes no início. Depois, se resumiam a desconfortos. Com o passar das semanas, Wagner foi recuperando os 13 quilos perdidos. Na mesma medida dos mimos que recebia. Luana, a mulher, atendia aos pedidos para que fizesse aquela torta de bolachas. O pai, Roque, caprichava nos churrascos. As irmãs e os sobrinhos o enchiam de carinho. A família da mulher também não economizava afeto. Não faltavam mimos ao zagueirão que arrepia centroavantes.
Os resultados dos primeiros exames depois de iniciado o tratamento eram otimistas. Wagner emitia sinais positivos também. O peso havia sido recuperado. Admite, com um sorriso de canto de boca, que burlava com alguma frequência a dieta recomendada pelos médicos. Em novembro, Maria Helena veio ao mundo para dar gás extra na reta final do tratamento.
A família passou as festas de fim de ano mais leve, mas ainda apreensiva. Faltava o exame final para certificar os sinais de recuperação percebidos no dia a dia. Na quarta-feira pela manhã, Wagner submeteu-se à coleta decisiva. À tarde, correu ao computador para pegar o resultado. Os índices ali expostos indicavam a vitória. Mas ele queria ouvir direto da hematologista Juliana Collman. A próxima consulta seria apenas no dia 23. É claro que não esperaria. Se na véspera do exame passou a noite em claro, esperar 13 dias seria uma tortura. Correu ao Facebook e encontrou o perfil da médica. Solicitou amizade. Quebrou o protocolo e marcou consulta por ali.
No dia seguinte, dispensou a companhia da mãe e da mulher. Estava apreensivo. Por isso, queria estar sozinho. No meio da manhã de quinta-feira, Wagner ouviu que estava recuperado. A cura definitiva ainda levará cinco anos. Está naquele período classificado pelos médicos como de recessão. Neste primeiro ano, passará por exames trimestrais.
A rotina de atleta, no entanto, já pode ser retomada. Wagner não perdeu tempo. À tarde, estava no Passo D’Areia. Fez treino leve na academia e deu um trote ao redor do gramado, Na sexta-feira, ficou ao cuidado dos fisioterapeutas. A volta aos gramados ainda não tem previsão. Ele aposta que conseguirá jogar na reta final deste Gauchão. Mas uma das lições aprendidas nesses últimos seis meses é de que o relógio corre ao seu tempo e não no nosso.
– Aprendi a ter paciência. Antes, se colocava algo na cabeça, não esperava, tentava resolver logo. Agora, sei que tudo tem seu tempo certo – diz o zagueiro que venceu o jogo da vida.