Os brasileiros que nasceram antes do Plano Real carregam lembranças da hiperinflação. Quem não viveu o período de troca de padrão monetário e dos cortes nos zeros fica assustado vendo os preços até 1994. Dias atrás, quando eu remexia em cédulas de cruzeiros guardadas, meu filho Pedro, de 9 anos, reagiu com surpresa, imaginando que descobrira um tesouro guardado em casa.
O guri ficou estupefato ao segurar a cédula de Cr$ 100 mil. Em bom estado de conservação, imaginou ser dinheiro atual. Expliquei que era antiga, com valor apenas no mercado de colecionadores.
O cruzeiro, em vigor de março de 1990 a julho de 1993, teve cédula de até Cr$ 500 mil, com a estampa do escritor Mário de Andrade. O Banco Central chegou a apresentar a nota de Cr$ 5 milhões, com imagem de um gaúcho, que só chegou às mãos dos brasileiros em outubro de 1993, quando já tinha trocado de nome, virando cruzeiro real, e com corte de três zeros, ou seja, no valor de Cr$ 5 mil.
Em julho de 1993, último mês do cruzeiro, o salário mínimo no Brasil foi Cr$ 4.639.800. Se olharmos apenas o número, pode parecer uma fortuna, mas equivalia a US$ 85 pelo câmbio comercial e US$ 79 pelo paralelo. A meta do governo Itamar Franco era chegar a US$ 100. Nos primeiros seis meses daquele ano, a inflação foi de 334% pelo INPC, calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O que era possível comprar com um salário de Cr$ 4,6 milhões? A resposta é difícil, pois primeiro preciso fazer outra pergunta. Qual o dia da compra? Em período de hiperinflação, as remarcações eram uma rotina no comércio. Em alguns casos, chegavam a ter mais de uma alteração de valor no dia. Sem contar as variações de um estabelecimento para outro.
Mesmo assim, eu queria ter uma ideia do poder de compra do salário mínimo milionário. Em jornais, busquei propagandas. Em 2 de julho, uma rede de supermercados no Rio Grande do Sul anunciava cinco quilos de arroz ou cinco quilos açúcar por Cr$ 110 mil. Uma garrafa de Coca-Cola de dois litros saia por Cr$ 59,9 mil. O quilo do pão francês custava Cr$ 56 mil. Em outro mercado, uma garrafa de cerveja Brahma, de 600 ml, sem o casco, estava na promoção por Cr$ 21,9 mil. O quilo da erva-mate custava Cr$ 58 mil.
Vejam que o poder de compra do salário mínimo era baixo. Em 15 de julho, por exemplo, a loja J.H Santos anunciou uma TV em cores de 20 polegadas por Cr$ 28,9 milhões. O trabalhador precisava de 6,2 salários mínimos para adquirir o aparelho à vista.
O salário mínimo milionário acabou em agosto de 1993, quando entrou em vigor o cruzeiro real, com corte de três zeros. De um dia para o outro, eram cortados três zeros de tudo, salários e preços. Em um primeiro momento, o Banco Central carimbava nas cédulas antigas o novo padrão monetário. Em 26 anos, 12 zeros foram cortados no Brasil. A última vez foi em 1993.
Em julho 1994, entrou em vigor o Plano Real. O primeiro salário mínimo foi R$ 64,79.