Nunca na história tantas pessoas tiveram na mão um equipamento para fotografar. Com as redes sociais, a rotina diária tem mais registros do que a vida dos reis até o século passado. É foto de tudo, o tempo todo. Um dos poucos momentos em que não temos smartphones apontados para todos os lados é na despedida dos mortos. Ninguém faz selfie ao lado do caixão ou foto do falecido.
Claro, seria deselegante ficar posando no velório ou enterro. Não combina com o luto, a tristeza de perder um amigo ou familiar. É muito melhor ficar com as fotos da pessoa em vida, em momentos de alegria. Curiosamente, nem sempre foi assim. Em outros tempos, quando as fotografias eram um privilégio de poucos, a imagem do morto poderia ser a única lembrança guardada pela família.
Desde a pré-história, o homo sapiens tenta guardar a imagem do falecido. Inicialmente, preservando a cabeça, que não era enterrada com o corpo, e depois recebia preenchimento com barro. O avanço das técnicas de escultura e pintura permitiu o surgimento de máscaras, bustos e quadros.
O professor e historiador Miguel Soares, autor do livro Imagens da Morte: fotografia e memória, afirma que a morte é a mãe da imagem, uma forma de manter presente o ausente. Com o surgimento da fotografia na primeira metade do século 19, famílias puderam guardar imagens detalhadas, registradas no velório. Se a captura levava minutos, o trabalho dos fotógrafos ficava mais fácil com os mortos, que não se mexem.
Os imigrantes europeus trouxeram esta tradição junto com as malas para o Rio Grande do Sul. Em muitas fotos preservadas, aparecem os familiares ao lado do caixão aberto. Outras mostram corpos lado a lado após mortes coletivas por doenças contagiosas ou acidentes. As fotos de bebês e crianças mortos, que causam arrepios hoje, eram tratadas com naturalidade. Na imprensa, eram publicadas sem constrangimento imagens dos corpos em caixões.
O escritor Felipe Kuhn Braun, autor do livro A Morte: antigas tradições e suas representações no sul do Brasil (1858-1980), reuniu um acervo com muitas fotos guardadas pelas famílias. Ele relata que as imagens dos falecidos eram enviadas para parentes que moravam longe, como última lembrança. Normalmente, ficavam guardadas, longe dos olhares de curiosos.
Essas fotos antigas são vistas por nós como atitude mórbida, causam desconforto. Até os velórios estão mais rápidos hoje. Lembro do caixão do meu avô na sala da casa dele na década de 1980, o que eram muito comum nas famílias. Os nossos antepassados também sofriam com as perdas, mas lidavam de forma diferente com a morte.
Em sua pesquisa, Soares apresenta o quanto a morte é exorcizada na atualidade. As fotos estão aí para provar.
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