O Theatro Colyseu anunciou em grande estilo, em 1911, a estreia do "film" A Tragédia da Rua da Praia. Em quatro sessões diárias, a partir de 15 de setembro, o público assistiu à filmagem feita em Porto Alegre. O mais incrível é que os empresários Nicola e Humberto Petrelli, sócios do alemão Eduardo Hirtz, colocaram na tela um crime que fora o principal assunto da cidade apenas dez dias antes. A plateia principal do Colyseu, na esquina das ruas Voluntários da Pátria e Pinto Bandeira, abrigava 1,5 mil pessoas, sem contar o espaço dos camarotes.
Não se sabe ao certo o que ocorreu com a única cópia do filme. Em 1914, depois de perder concorrência para realização de documentário para o governo estadual, Eduardo Hirtz queimou suas produções. É possível que A Tragédia da Rua da Praia estivesse entre as fitas.
Para nossa sorte, em 2005, o jornalista Rafael Guimaraens publicou Tragédia da Rua da Praia: uma história de sangue, jornal e cinema, narrativa sobre um assalto com grande impacto na rotina da cidade. Nas comemorações dos 250 anos de Porto Alegre, a editora Libretos traz a 2ª edição do livro Tragédia da Rua da Praia em quadrinhos. A primeira foi lançada em 2011.
Em 60 páginas, com roteiro de Rafael Guimaraens e ilustrações de Edgar Vasques, encontramos personagens que hoje são nome de vias da cidade, como Borges de Medeiros, Mário Cinco Paus, Octávio Rocha, Leonardo Truda e José Montaury. É um mergulho na cidade do início do século 20. Em 5 de setembro de 1911, quatro misteriosos estrangeiros assaltaram a casa de câmbio de Virgílio d´Oliveira Albuquerque na Rua da Praia. O prédio com duas portas, sendo uma transformada em vitrine, estava com pintura recente de verde-escuro na fachada, em destaque na principal rua de comércio da capital de 120 mil habitantes. Naquela manhã fria de terça-feira, o funcionário Alcides Brum foi surpreendido pelos criminosos armados.
Depois de ferirem a tiro o atendente, os ladrões se envolveram em uma fuga enlouquecida pelo Centro, a pé, de carruagem, de bonde e até a bordo de uma carrocinha de leiteiro. Se o pavor da população já não era suficiente, o episódio gerou disputas políticas e guerra de versões entre os jornais a favor e contra o governo dos republicanos, liderados por Borges de Medeiros. Em Porto Alegre, o intendente era José Montaury.
As atualizações chegavam pelos jornais, mas o mais incrível foi o filme. As filmagens foram concluídas em três dias, sob liderança do cinematografista italiano Guido Panello, que depois revelou as fitas e fez a colagem no Laboratório dos Irmãos Hirtz, na Rua Conceição. A produção reunia imagens dos fatos e encenações de como o crime ocorrera. Durante as filmagens, um episódio inusitado no bairro Passo D´Areia. O delegado Chico Flores mobilizou seus policiais após ser alertado sobre outro grupo criminoso. Na delegacia, a confusão foi desfeita. Eram apenas atores.
O cerco aos verdadeiros criminosos ocorrera dias antes perto da Estação Ferroviária de Gravatay, região atual da Arena do Grêmio. Mesmo que muitos já saibam o desfecho para os quatro ladrões e o funcionário da casa de câmbio, não vou estragar a surpresa para os próximos leitores do livro. Sem dúvida, é um dos episódios marcantes nos 250 anos de Porto Alegre.
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