Vinte dias se passaram desde que o coração de Patrícia Rosa dos Santos, 41 anos, parou de bater. “O coração mais bondoso do mundo”, descreveu a irmã da vítima à repórter da Rádio Gaúcha Lisielle Zanchetin, um dia após a polícia prender o marido dela, em 30 de outubro. A investigação aponta André Lorscheitter, 48 anos, como autor do crime. Médico, ele teria usado medicamentos de uso restrito para tirar a vida da esposa, com o filho, de dois anos, presente em casa.
Morta, dentro de casa. De novo, o assassino era o companheiro da vítima
Nem havíamos digerido a dor de noticiar mais uma mulher aniquilada pelo ódio do companheiro quando o repórter Lucas Abati entrou no estúdio para contar que a polícia havia localizado o corpo da mãe do menino abandonado pelo pai num ônibus, entre Porto Alegre e Gramado. O caso deixou leitores e ouvintes comovidos e gerou um questionamento usual em situações de abandono infantil: “Onde estava a mãe daquela criança?”. Morta, dentro de casa. De novo, o assassino era o companheiro da vítima.
Dois casos seria pouco?
Naquele mesmo dia, a reportagem da Rádio Gaúcha noticiaria à tarde a morte de uma jovem de 25 anos, com tiros disparados pelo namorado, em São Leopoldo. Contaram os familiares dele que o homem demonstrava não aceitar o fim do relacionamento. Um comportamento clássico de quem se entende dono da companheira: ou fica comigo, ou não merece continuar viva. Matou. Com a certeza de que estaria impune, pediu um transporte por aplicativo para ir embora.
Listo aqui uma sequência de três feminicídios noticiados em menos de 24 horas para seguir demonstrando minha perplexidade diante da ausência de uma indignação social frente a essa epidemia que elimina uma de nós a cada seis horas, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fico pensando: se de hoje em diante começássemos a perceber em nossa sociedade mortes de um grupo específico, como reagiríamos? Se, de uma hora para outra, passassem a matar cachorros indiscriminadamente (eu os amo, não tolero nada nem parecido), qual seria nossa reação? Ou se começassem a assassinar uma classe específica — jornalistas, por exemplo? Não haveria uma investigação, algo a tentar entender por que os alvos são eles? Que medidas seriam tomadas?
Mulheres têm sido mortas por companheiros e ex-companheiros com uma frequência absurda. Os números crescem ano a ano. E entristece perceber que, em vez de um urgente levante social, parece que nos acostumamos com essas notícias, cada vez mais.