Encontrei com Dona Neusa numa sexta-feira, quando estive na Vila Farrapos, em Porto Alegre. A ideia inicial era fazer uma reportagem sobre uma ação organizada por voluntários, dois amigos criados ali pertinho, no bairro Humaitá, que decidiram reunir donativos em um ginásio e entregar para as famílias que haviam perdido tudo. Era um cenário desolador. Montanhas de entulhos, com objetos de todo tipo: sofás, colchões, armários e brinquedos infantis. Tudo inviabilizado pela água, que não pediu licença e destroçou móveis conquistados com o suor de uma vida inteira.
Dona Neusa pediu para falar comigo, assim que percebeu que eu estava com um microfone na mão. Queria pedir socorro, dizer que tinha seis crianças para alimentar, mas não tinha mais nada. O fogão se foi. A geladeira também. A dor dela era ouvir o pedido das crianças por alguma comida da avó e não poder atender os netos, porque não havia como cozinhar os alimentos. Dona Neusa pegou uma grade que encontrou no lixo, lavou e colocou em cima de tijolos. Tudo improvisado para dar conta de esquentar o alimento para os pequenos.
Conto a história da Dona Neusa porque me tocou profundamente a partir do prisma da maternidade. Quem é mãe sabe bem do que estou falando. Depois que meu filho nasceu, nunca mais consegui ver histórias que envolvem crianças da mesma forma. Tudo mudou daquele 17 de fevereiro de 2023 em diante. Sim, eu sei que todos nós sentimos e, mais, somos solidários com o drama dos atingidos pela enchente. Mas só uma mãe sabe a dor aguda que é não conseguir alimentar um filho, não conseguir garantir a ele o conforto mínimo, não poder deitá-lo numa cama minimamente confortável ou mesmo dar um banho quentinho.
Foi com esse espírito de mãe que comecei a convocar amigos de todos os cantos para que me ajudassem a fazer uma vaquinha, a fim de comprar o básico para Dona Neusa: fogão, geladeira, um balcão para a cozinha e também uma pia para ela poder, enfim, preparar a refeição dos netos. Conseguimos. Mas junto com essa ação, vieram outras dezenas de pedidos de ajuda, de conhecidos e desconhecidos, que precisavam, com a mesma urgência, de absolutamente tudo. Colchão, geladeira e fogão só pra começar.
E eis que, ao lado da vontade de ajudar, um novo sentimento chegou, avassalador. Dor e impotência por não conseguir abraçar tudo.
A culpa
Minha querida Arieli Groff, mãe e psicóloga especialista em luto e traumas, alertou: nós precisamos lembrar de ajudar até onde o nosso braço consegue alcançar. Uma metáfora simples, mas tão potente. Tento repeti-la a mim mesma, todos os dias. Mas que dor!
Não há esforço que dê conta de toda tragédia. Tal como na maternidade: fazemos tudo, queremos nosso filho bem, movemos mundos e fundos. E a vida nos lembra, diariamente, que nem tudo é controlável. A culpa bate. Estamos fazendo o suficiente?
Um abraço
É preciso ficar atento, ainda, a algo que, por anos, atravessou – e segue atravessando – as mulheres: quem cuida de quem cuida? Quem abraça os que estão ajudando? Um olhar de colo, de afeto, para acolher quem deixou tudo para ser voluntário, para resgatar animais, para fazer marmitas, para doar tempo e carinho aos milhares de desabrigados.
Serão meses nessa luta, na reconstrução. E o autocuidado nunca foi tão necessário. Mães, precisamos nos abraçar.