É fato consumado e precisa ser lida tal como foi dita a frase do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, em entrevista nesta quinta-feira, ao Timeline, da Rádio Gaúcha.
— Não vai ter golpe em lugar nenhum — assegurou o senador eleito pelo Rio Grande do Sul, quando questionado sobre pedidos de intervenção militar que emergiram em manifestações país afora, a partir de eleitores descontentes com o resultado da eleição.
A declaração, aliás, reproduz um sentimento captado pela coluna, nos bastidores, entre membros do alto escalão das Forças Armadas. Não existe, por parte dos comandos, nenhum flerte com tais atos golpistas. Ao contrário. Nos últimos dias, enquanto manifestantes se jogavam ao chão em frente a instituições militares, como o Comando Militar do Sul, em Porto Alegre, não houve qualquer integrante do alto escalão que viesse à frente dos quarteis para chancelar aqueles que sugeriam ruptura institucional.
"Não vamos bater palma para ilegalidade", disseram à coluna militares com acesso ao Poder.
Não significa dizer que não haja descontentamento com a eleição de Lula. Mas, nesse caso, como também sublinhou o vice-presidente da República, a oposição deverá ser feita — e será — no Congresso Nacional ("o couro vai comer", prometeu Mourão). Que Lula não espere vida fácil em quatro anos de governo. As manifestações revelam o tamanho da contrariedade (de parte da sociedade) com o resultado da eleição e Lula precisará saber enfrentar este cenário.
Conservadorismo
Há outro ponto interessante, trazido por um militar à coluna, e que pontuo aqui para reflexão: goste-se ou não, o eleitorado conservador é majoritário na sociedade brasileira. A campanha de Lula percebeu isso. Não fosse assim, o agora presidente eleito não teria divulgado carta endereçada aos evangélicos, nem se declarado contra o aborto no debate da TV Globo no segundo turno.
Então, como explicar a vitória de Lula, nesse contexto? Sim, pode parecer paradoxal, mas a leitura é de que alguns votos de conservadores migraram para a Lula diante de posturas belicosas do próprio presidente e de seus aliados próximos — episódios Carla Zambelli e Roberto Jefferson entram nessa conta. Os brasileiros não apoiam condutas como essas.
O próprio Mourão os citou, quando questionado na entrevista sobre por onde passava a derrota de Bolsonaro. Ele apontou três situações: episódios de Zambelli e Roberto Jefferson às vésperas da eleição podem ter custado votos, às vésperas do segundo turno; caso a candidata a vice tivesse sido Teresa Cristina ou Damares Alves — ambas eleitas senadoras — haveria mais votos agregados; e ainda alguns posicionamentos ou declarações de Bolsonaro na pandemia (ir contra a vacina, por exemplo).
Resta saber, a partir dessa perspectiva, se Bolsonaro saberá compreender essa realidade, de que parte da sociedade espera por um líder conservador para exercer oposição a Lula e assegurar a defesa dos valores (família, pátria) pelos próximos quatro anos. Contudo, se julgarmos o posicionamento do presidente desde domingo até hoje, quinta-feira, ainda há uma distância grande a ser percorrida.