Em primeiro lugar, calma. Tenho consciência do oceano que separa o ex-presidente Lula de Jair Bolsonaro, hoje presidente da República. Mas é inegável que chamou a atenção o vídeo em que o petista defende a prerrogativa (legítima) de o chefe do Executivo federal indicar o nome para a direção Polícia Federal.
- É importante lembrar que o presidente da República tem o direito de indicar o diretor da Polícia Federal, sim. Eu indiquei duas vezes e nunca pedi nem orientei porque eles têm autonomia. E por que o Moro achava que ele podia e o Bolsonaro não podia? Tenta ganhar a opinião pública mentindo outra vez - declarou Lula, no vídeo que ganhou repercussão nas redes sociais.
O que uniu Lula e Bolsonaro, neste episódio, foi a repulsa ao ex-juiz federal da Lava Jato e ex-ministro da Justiça do atual governo. Como se sabe, Moro que assumiu um cargo no governo como "símbolo anticorrupção", deixou a Esplanada por se sentir incomodado com a pressão do chefe para trocar o nome que comandava a PF, responsável por executar algumas das maiores operações de combate à corrupção no país.
O que Bolsonaro queria, segundo acusou Moro, era ter alguém de sua confiança no posto, a quem pudesse dar ordens, exigir informações e relatórios. Voltemos um pouquinho no tempo. Quando aceitara o convite para ser ministro, o ex-juiz jurou que o presidente agiria diferente. Confiou na tal "carta branca". Santa ingenuidade. Até as carpas do Palácio da Alvorada conhecem como a banda toca em Brasília e na família Bolsonaro.
Lula, de fato, indicou duas vezes o diretor da Polícia Federal. Dilma também e, inclusive, fora muito pressionada por colegas de partido a interferir quanto à ciência das operações. O ex-ministro José Eduardo Cardozo foi um dos que mais sofreu críticas de petistas, à época, por não ter "comando" sobre a PF. Bolsonaro foi mais ligeiro neste aspecto. E o próprio Moro se deu conta.
- Imagina se, durante a própria Lava Jato, o ministro, diretor-geral, a então presidente Dilma (Rousseff), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ficassem ligando para a Superintendência de Curitiba para colher informações? - comparou, quando anunciou sua carta de demissão.
Repito: não acho que Bolsonaro e Lula sejam semelhantes em ideias ou propósitos. Pelo contrário. O próprio ex-presidente disse, em uma entrevista em que participei na Rádio Gaúcha, que entende que há "má fé" quando tentam mostrar proximidade dele com o atual chefe do Planalto. A democracia prevê discordâncias.
Contudo, o episódio referido acima expõe, nas entrelinhas, um jogo que é capaz de unir até os polos mais antagônicos do jogo político. Basta juntar as peças.