Foi péssima, para dizer o mínimo, a repercussão das medidas anunciadas pelo governo Jair Bolsonaro que fazem parte do programa Renda Cidadã. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) classificou a a proposta de rolar o pagamento de precatórios como inconstitucional. Para especialistas, foi interpretada como um sinal de abandono do compromisso fiscal. O Risco Brasil subiu 70 pontos-base ao longo do dia. O dólar fechou o dia em R$ 5,63. E houve ainda quem classificasse a ideia como pedalada fiscal, prática que embasou o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Para o economista Aod Cunha, consultado pela coluna por sua expertise na administração pública, atrasar pagamento de precatórios para pagar despesas correntes é um erro. Isso porque pode parecer uma solução fácil para um problema temporário, mas acaba, na verdade, empurrando o problema para anos futuros. Ele cita o caso do Rio Grande do Sul - que já o fez - como um exemplo negativo.
- Atrasar pagamento de precatórios para pagar despesas correntes já foi tentado no Rio Grande do Sul e em outros estados lá atrás. Não deu certo. Empurra o problema (maior) para frente. Só ha um tipo saudável de financiamento da despesa corrente: despesas correntes abaixo de receitas correntes - avaliou.
Aliás, o próprio Aod já havia alertado aqui nesta coluna sobre o desafio posto ao governo Bolsonaro para equilibrar o binômio formado pela necessidade de programas sociais (ainda mais urgentes por conta de pandemia de coronavírus) e a manutenção da responsabilidade fiscal, compromisso firmado por Bolsonaro ainda durante a campanha eleitoral.
- Se alguém ainda acha que país pode gastar mais sem equilíbrio fiscal, dê uma boa olhada no dólar e juros futuros no dia de hoje (segunda). Não há gasto social bom sem responsabilidade fiscal - completou.
E, de fato, a responsabilidade com o gasto público é ponto importantíssimo a ser considerado quando há intenção de promover programas sociais. Isso porque o descontrole nas contas faz com que o Estado não consiga fazer frente a despesas mínimas, como é o caso do Rio Grande do Sul.
Por aqui, há tempos as despesas ultrapassam - e muito - os valores somados pela arrecadação. Na prática, sai mais dinheiro do que entra. O resultado? Um rombo nas contas. E principalmente: estradas esburacadas, ausência de investimentos, menos servidores do que o necessário na segurança e isso sem falar no parcelamento de salários do funcionalismo que persiste e jamais deveria ser considerado normal, em solo gaúcho.
Voltando ao projeto que institui o programa Renda Cidadã, a ideia de atrasar o pagamento de precatórios expôs aos especialistas um temor de que o governo "tenha entrado na era das pedaladas", conforme descreveu a jornalista Ana Flor do portal G1. Nos bastidores, deputados e senadores com experiência no Congresso - mesmo aliados ao governo - já afirmam que da maneira como foi exposta a proposta terá muitas dificuldades para ser aprovada.
Neste sentido, presidente e equipe econômica, liderada por Paulo Guedes, terão que mexer na estrutura da proposta, caso queiram levá-la adiante. O desafio está em encontrar formas de financiamento para as medidas, preservando o compromisso com teto de gastos. Uma tarefa nada fácil no horizonte do presidente, que está de olho também em 2022.