É da essência do ser humano buscar um culpado diante de um problema exposto. "Cortem-lhes as cabeças", bradava a Rainha Vermelha no clássico de Lewis Carroll quanto encontrava algo que lhe desagradasse. Desta vez, contudo, as cabeças não são vermelhas. São verde e amarelas, com casamento marcado e lua de mel no Caribe.
Mostraram os repórteres Giovani Grizotti e Humberto Trezzi - contra a vontade do juiz Daniel da Silva Luz, da comarca de Espumoso, aliás - que Ana Paula Brocco está na lista de beneficiados com o auxílio emergencial. Somadas três parcelas, o montante chegaria a R$ 1.800. Num site de casamentos, ela organiza o convescote em uma praia no Caribe e a lua de mel num resort de luxo. A cerimônia está marcada para dezembro deste ano.
Ana Paula não nos convidou para a festa. Mas garantiu que pagaríamos por ela. Afinal de contas, dinheiro bom é dinheiro dos outros, não é mesmo?
Não foi só ela, façamos justiça. O jornal O Globo revelou que a ex-servidora Verbena Macedo, que foi candidata à prefeitura de Estreito, no Maranhão, é mais uma na lista dos beneficiados. Com R$ 3,23 milhões declarados, não soube justificar à reportagem porque havia requisitado o auxílio. Questionada, disse que estava "hospitalizada" e desligou o telefone.
Teve também o dono de uma vinícola. Uma dentista. Um conhecido arquiteto da cidade de Veranópolis, conhecido pelo design de grandes prédios residenciais naquele município.
Ah, e não adianta por a culpa em Jair Bolsonaro. Ainda que o sistema precise ser complexo o bastante para identificar fraudes, não há política pública capaz de fazer frente à desonestidade. Coisa que o dinheiro também não é capaz de comprar.
Enquanto o casamento de Ana Paula era planejado, seu Raimundo precisou ficar 17 horas na fila, no Rio de Janeiro para conseguir regularizar o CPF e receber a ajuda do governo. Ele havia sido assaltado, contou o portal G1, e com isso enfrentou dificuldades quanto à documentação necessária para registrar o pedido de ajuda.
A história de seu Raimundo inspirou a solidariedade de outras pessoas que se dirigiram à fila imensa em frente ao prédio da Receita Federal para distribuir pão e café aos que pouco ou nada tinham. A rede de solidariedade nos dá sinais de esperança na sociedade brasileira, ainda que Anas e Verbenas insistam por tentar nos provar o contrário.