A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares Alves, e a revista AzMina estão no centro de uma nova polêmica envolvendo a publicação de uma reportagem que trata sobre o tema "aborto". O assunto foi parar na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, depois que a ministra classificou como "absurdo" o enfoque e classificou o texto como "apologia ao crime". Damares afirmou ainda que deu encaminhamento a uma denúncia sobre o caso às autoridades e agradeceu aos alertas que recebeu sobre a gravidade do assunto.
Desde que a ministra se manifestou sobre a publicação, integrantes da redação da revista AzMina afirmam que começaram a sofrer uma série de ameaças no ambiente virtual. Em seu perfil, a publicação relata que foram divulgados endereços e dados da equipe por pessoas contrárias à reportagem, além de ameaças e processos judiciais. "AzMina faz jornalismo porque acredita que a informação pode salvar vidas e lutar contra o machismo", informou.
Na publicação, a reportagem informa que reuniu dados da Organização Mundial da Saúde para "ajudar na redução dos danos do aborto inseguro".
A polêmica foi parar na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. Em nota, a Abraji afirmou que "em um ambiente democrático, todos devem ser livres para cobrir qualquer assunto, da forma como considerarem adequada". A associação reconhece ainda que a crítica aos veículos e jornalistas "também deve ser livre", mas repudia ataques aos profissionais de imprensa, especialmente os que partem de autoridades públicas.
"A própria democracia passa a ser alvo quando críticas se transformam em ataques, ainda mais se estes são amplificados por ocupantes de cargos públicos e representantes eleitos", diz a nota.
Confira a íntegra da nota divulgada pela Abraji:
A redação da Revista AzMina sofre, desde a tarde da última quinta-feira (19.set.2019), uma onda de ataques em redes sociais por pessoas contrárias ao aborto. A revista publicou uma reportagem sobre os procedimentos para a realização de aborto legal no Brasil e no mundo, e reproduziu recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a prática de aborto seguro.
Após duas contas com grande alcance junto ao público de direita comentarem a publicação da revista digital no Twitter, acusando o veículo de “apologia ao crime” e “incentivo ao assassinato”, milhares de usuários passaram a fazer comentários agressivos, repetindo as acusações e direcionando ofensas às jornalistas de AzMina.
Marcada em uma dos dois comentários, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, qualificou o conteúdo como “apologia ao crime” e declarou: “Já demos encaminhamento à denúncia”. Segundo a assessoria de imprensa do ministério, Alves encaminhou o caso ao Ministério Público Federal para que o órgão apure se a reportagem incorre em algum crime.
Peças de desinformação sobre a reportagem e a revista ampliam o assédio digital contra a redação de AzMina. Meios de comunicação identificados com a direita repercutem o caso afirmando que a revista “ensina a abortar” - distorção amplificada por agentes públicos como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e o deputado estadual Douglas Garcia (PSL-SP). Garcia declarou que fará “a representação criminal adequada” no Ministério Público contra a publicação por “apologia ao aborto” e “anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto”.
Alguns perfis disseminam a imagem e o perfil da repórter que assina o texto, com comentários sobre sua vida privada e ofensas.
A Abraji nunca se manifesta sobre os critérios editoriais dos órgãos de imprensa. Em um ambiente democrático, todos devem ser livres para cobrir qualquer assunto, da forma como considerarem adequada. A crítica aos veículos e jornalistas também deve ser livre – é normal que sua atuação passe pelo escrutínio dos participantes da esfera pública. Mas a própria democracia passa a ser alvo quando críticas se transformam em ataques, ainda mais se estes são amplificados por ocupantes de cargos públicos e representantes eleitos.
A Abraji se solidariza com todas as jornalistas da AzMina e repudia o assédio digital de que são vítimas. A associação apela ainda aos Ministérios Públicos Federal e paulista que não deem seguimento a eventuais representações criminais contra as profissionais e a revista, em cumprimento a seu papel de salvaguardar a liberdade de expressão.
Diretoria da Abraji, 20 de setembro de 2019.