Leiliane Rafael da Silva tem 28 anos. É vendedora no Estado de São Paulo. Tem três filhos, um deles uma bebê de quatro meses que chorou enquanto falávamos por telefone na noite desta terça-feira (12).
— Eu atendi porque vi o prefixo e achei que era o seu João — disse.
"Seu João" é João Adroaldo Tomanckeves, 52 anos, o motorista do caminhão que se chocou com o helicóptero cuja queda provocou a morte do jornalista Ricardo Boechat e do piloto da aeronave, na última segunda-feira (11), no Rodoanel. Tomanckeves é gaúcho e trabalha para uma empresa de Caxias do Sul.
Pelo prefixo, na chamada no celular, Leiliane pensou que pudesse ser ele e, quando soube que eu era repórter, perguntou se eu sabia se o seu João já havia chegado em casa e encontrado a família. Ficamos conversando por alguns bons minutos.
A filha pequena chorou de novo, ela se desculpou. Na sequência, eu mesma pedi desculpas e disse que claro que ela podia parar para atendê-la. Ela o acalmou e brincou:
— É assim 24 horas.
Eu devolvi:
— Acho que esse instinto de mãe que te fez ir até o caminhão.
— Acho que pode ser (risos). Na verdade, eu não tinha noção de quem era, ou do que era. Foi tudo muito rápido. Eu vi o helicóptero vindo, voando baixinho, coisa de segundos. Eu acho que ele viu o viaduto, mas não viu a carreta que estava embaixo. E o seu João não viu o helicóptero, pois estava em cima. Não foi culpa de ninguém — disse.
Leiliane ganhou as redes sociais e comoveu a web ao subir na cabine do caminhão para retirar o motorista que estava preso às ferragens. A frente do veículo ficou completamente destruída.
— Quando eu vi o caminhão parado, eu pensei: "ali dentro tem alguém". Eu fui correndo, eu subi e o seu João estava preso com o cinto. Eu gritava para os homens que estavam ali para pegarem uma faca. Eu pedia por uma faca para cortar o cinto, para ele sair dali — contou.
Na internet, as fotos que circulam mostram outros homens na cena. Mas eles estão com o celular gravando vídeos do resgate. Leiliane disse que alguém - um guarda, segundo ela - lhe alcançou um objeto que permitiu soltar seu João.
— Eu cortei o cinto. E quando eu cortei o cinto, ele conseguiu mexer as pernas. Mas aí a porta não abria. Então eu puxei ele pela janela. A porta eu consegui abrir depois. Eu estava com medo de o caminhão pegar fogo — confessou.
Depois de retirar seu João, Leiliane voltaria ainda para o local onde o helicóptero pegava fogo, a poucos metros dali. Disse que queria puxar um dos corpos e ouviu um grito pra que se afastasse porque haveria nova explosão. E houve.
— Ali já não havia mais nada a fazer — lamentou.
A vendedora acompanhou as redes sociais nos últimos dias e compartilhou comigo um dos memes em que ela aparece caracterizada de Mulher Maravilha. Diz que achou graça, que não imaginava receber tanta mensagem, “até de gente famosa”.
— Eu só pensava: meu Deus do céu, como eu fiz tudo isso? Eu simplesmente salvei alguém que precisava de ajuda. Foi um ato humano. Às vezes a gente passa por um acidente e não tem muito o que fazer. Ali eu tinha essa chance — relatou.
Leiliane ainda resgataria seu João outras duas vezes, depois do choque. Os dois se dirigiram à delegacia para prestar depoimento à polícia. Mas ele, muito abalado pelo acidente, passou mal e desmaiou duas vezes.
— Ele me falou: "Moça eu vou passar mal". A ambulância não chegava, ele estava suando frio. Aí veio um policial. Eu disse a ele: "Moço, pelo amor de Deus, eu tirei ele da carreta sozinha, vamos levá-lo". Então, eu segurei as duas pernas e o policial o tronco e o colocamos dentro da viatura — contou.
Leiliane disse que seu João lhe agradeceu mais uma vez e disse: "Você foi meu anjo da guarda. Só hoje, você me salvou três vezes. Uma no caminhão. E outras duas quando desmaiei”.
Mas ela acha que não fez nada além do que seu instinto e o coração mandaram. E acredita que foi seu João quem na verdade a salvou:
— Talvez o helicóptero tivesse caído em cima de mim, na rodovia. Eu vi ele se aproximando, voando baixo. Mas pelo impacto da carreta, não nos atingiu. Na verdade, seu João foi o meu anjo da guarda — contou.