Dá para ouvir de longe. Na minha terra, Santa Cruz do Sul, todo mês de outubro é assim: o “pop-pop-pop” das bandinhas toma conta da cidade. Nas vitrines das lojas, a decoração se transforma. O centro é enfeitado, e o clima de festa se espalha. É a Oktoberfest chegando de carona no Bierwagen.
Frequento o evento desde a primeira edição, em 1984, levada pelas mãos dos meus pais. Eu tinha cinco anos. De lá para cá, seguimos repetindo o ritual anual. Para nós, ir à Oktober é um programa de família, com direito a brindes, pretzel, cuca com linguiça e o que mais vier.
Com o tempo, percebi que a coisa toda era muito mais do que o festerê em si. Não é só “trago”, embora, para muitos visitantes, possa parecer que se trate disso. É um momento de encontro da comunidade, em especial nos desfiles, aos domingos, que lotam a Rua Marechal Floriano, onde há um belo túnel verde de tipuanas.
Eu mesma já desfilei, vestida de “alemoa”, quando era criança. Agora, meu pai representa a família, adentrando a avenida com a bicicleta cheia de flores e, claro, o chapéu verde enterrado na cabeça. Foi assim no último domingo (13) e será nos próximos dois — a Oktober de Santa Cruz ocorre apenas aos finais de semana, até o dia 27 (fica a dica, veja os detalhes no fim do texto).
Enquanto você lê este texto, provavelmente estarei degustando um chope cremoso, revendo velhos conhecidos e dizendo “prosit!” para todo mundo. É estranho, eu sei, mas há um senso de pertencimento nisso.
A Oktoberfest, de certa forma, é a expressão de uma identidade cultural forjada a partir do que sociólogos e antropólogos chamariam de “mito fundacional” — no caso, a chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul, há 200 anos (175 em Santa Cruz).
É evidente que, à época, ninguém pensava nisso, mas a narrativa dos pioneiros (“fortes e corajosos desbravadores”) foi construída ao longo das décadas, tijolo por tijolo.
Importada da Baviera (leia abaixo), a Oktoberfest faz parte dessa construção coletiva, esse cimento invisível feito de símbolos e representações que, sabe-se lá como, une as gentes.
Não deixa de ser uma tradição inventada, como diria o historiador Erick Hobsbawm, mas, para quem faz parte disso, pouco importa. Eu seguirei lá, brindando com quem aparecer pela frente. Se você for a Santa Cruz, tenho certeza, será bem recebido(a). Prosit!
Serviço
- A Oktoberfest de Santa Cruz do Sul ocorre no Parque da Oktober, na região central do município, até 27 de outubro, sempre de quinta-feira a domingo.
- Os ingressos custam entre R$ 27 e R$ 39, mas sempre há horários com entrada gratuita e visitantes vestindo trajes típicos pagam meia.
- Você ainda pode conferir o famoso desfile temático, com 12 carros alegóricos e mais de 6 mil participantes, nos domingos dos dias 20 e 27 de outubro, na Rua Marechal Floriano (a principal), a partir das 10h30min. É de graça.
Igrejinha
Falando em festas comunitárias, a Oktoberfest de Igrejinha é exemplo para o mundo.
Lá, todo o lucro é revertido para a sociedade, em áreas como saúde, educação e segurança (em 2024, foram R$ 4,8 milhões). O evento é realizado por mais de 3 mil voluntários (10% da população local).
Não por menos, o município tem o título de Capital Estadual do Voluntariado.
Este ano, a festa ocorre de 11 a 20 de outubro, no Parque de Eventos Almiro Grings.
A origem da Oktoberfest
Vocês sabia que a primeira Oktoberfest começou com uma corrida de cavalos em Munique, no território que hoje conhecemos como Alemanha?
Andreas Michael Dall’Armi, membro da Guarda Nacional da Baviera, teve a ideia de celebrar assim o casamento do príncipe Ludwig, mais tarde rei Ludwig I, com a Princesa Therese de Sachsen-Hildburghausen.
O major da cavalaria (também banqueiro) apresentou a proposta ao rei Max I. Joseph, que topou na hora. Assim, o casório ocorreu em 12 de outubro de 1810. As festividades duraram cinco dias, ganharam o nome popular de Wiesn (usado até hoje pelos moradores locais) e acabaram virando tradição.
A tela acima, pintada por Peter Hess em 1810, retrata a famosa corrida e pertence ao Museu da Cidade de Munique.