O jornalista Carlos Redel colabora com a colunista Juliana Bublitz, titular deste espaço.
A morte é a única certeza da jornada humana. É o destino em comum de todas as pessoas. E, mesmo assim, este assunto ainda causa desconforto. Mas existe um movimento, na Capital mesmo, para normalizar este tipo de conversa. É o Death Cafe — Café da Morte, em tradução livre —, que ocorre em cafeterias da cidade, reunindo pessoas que compartilham suas histórias, medos, sonhos e, principalmente, reflexões. E tudo isso para ajudar a aproveitar a vida ao máximo.
Responsável pela iniciativa em Porto Alegre, a fisioterapeuta com mestrado em Gerontologia Biomédica e especialização em Saúde Pública, Cristiane Moro, 51 anos, explica a ideia do projeto, que nada tem de mórbido — é apenas uma conversa cheia de apoio, com um bom café e um pedaço de bolo gostoso:
— A partir do momento em que a gente fala sobre final de vida, estamos falando sobre valorização de vida, como viver até morrer. Sabemos que todos nós vamos morrer, deixar de existir nesta dimensão, neste planeta, cada um com a sua crença. Porém, até lá, a gente pode viver muito. Pensar sobre a morte é qualificar a vida. É no que acreditamos.
Os frequentadores são desde curiosos pelo assunto a familiares que perderam um ente querido, passando por pacientes que enfrentam — ou enfrentaram — doenças graves até profissionais de saúde, que formam a maioria do público. E, ali, eles podem, de acordo com Cristiane, expressar as suas opiniões sem enfrentar julgamentos, preconceitos ou críticas. É um espaço seguro.
A fisioterapeuta, que trabalha com o envelhecimento humano há 25 anos, para o desafio de tratar sobre um tema tão delicado quanto a morte, conta com o apoio da psicóloga Natalia Schopf Frizzo, 34, que tem mestrado em Psicologia e Saúde e, assim como Cristiane, especialização em Cuidados Paliativos. Ou seja, qualificadas para atuar como facilitadoras, função que exercem no Death Cafe.
— Nesses encontros, temos espaço para nomear nossos sentimentos, por vezes confusos, sobre a finitude. E temos a chance de estimular que esses diálogos possam expandir as fronteiras do Death Cafe e chegar na casa das pessoas e em suas redes — salienta Natalia.
Para participar do encontro, o interessado precisa apenas ir até o endereço marcado. É de graça, com os frequentadores pagando apenas o que consumirem nas cafeterias, as quais são sempre aconchegantes e diferentes — afinal, ser itinerante é um dos requisitos do projeto.
Mensalmente, nas redes socais do projeto (@deathcafeportoalegre), é postada a data e o local do próximo encontro. Em setembro, por exemplo, será no dia 28, das 15h às 16h30min, no Terezas Café (Rua Giordano Bruno, 318 - Rio Branco).
Rede de apoio
O projeto parte de uma ideia do sociólogo e antropólogo suíço Bernard Crettaz, em 2004 e, anos depois, em 2011, em Londres, na Inglaterra, ganhou corpo e passou a ser difundido pelo mundo como a uma "franquia social", com o nome Death Cafe.
Em Porto Alegre, a iniciativa teve o seu primeiro encontro em 2017 e, desde lá, mensalmente, grupos que variam de 15 a 25 pessoas se reúnem para abordar o tema morte.
E, para deixar o ambiente escolhido mais acolhedor e personalizado, as facilitadoras criaram toda uma identidade visual, com uma cuia cheia de tulipas — flor que representa a vida, de acordo com as organizadoras —, com os dizeres "Death Cafe Porto Alegre" e uma caveirinha desenhada. O logo estampa os materiais que a dupla usa para decorar a cafeteria em que o evento será realizado.
Atualmente, o Death Cafe está presente em mais de 90 países e, apenas no Brasil, já são 28. Mas, para criar esta filial, é necessário seguir as diretrizes do projeto original: não possuir uma agenda pré-definida, caráter sem fins lucrativos, espaço respeitoso, confidencial e acessível, ausência de intenção de levar as pessoas a qualquer tipo de conclusão ou ação e, lógico, a presença de um bom café e de bolo gostoso.
— Todo mundo vai com este estigma de falar sobre a morte, mas, no fim, os encontros terminam formando uma rede de apoio muito grande de pessoas que nunca se viram — ressalta Cristiane.