“Velho Rio Grande
Velho Guaíba
Sei que um dia será novo dia
Brotando em teu coração”
Os versos acima são de Raul Ellwanger, na canção Pealo de Sangue. Lançada em 1979, a música soma mais de 30 gravações em cinco países e quatro idiomas. Não por acaso, foi a escolhida de Suzana Vellinho Englert, presidente da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), para uma ação solidária que uniu a Orquestra Theatro São Pedro e a cantora Fafá de Belém.
— Tínhamos de fazer alguma coisa para comover as pessoas e levantar fundos para o setor de turismo e eventos da Capital, que gera empregos e desenvolvimento para a nossa comunidade. Pensei nessa música e falei com o maestro Evandro Matté. Ele mergulhou de cabeça — conta Suzana.
Com o aval de Antonio Hohlfeldt, à frente do Theatro São Pedro, e da Secretaria de Estado da Cultura, Matté decidiu convidar Fafá, sua amiga desde 2010, quando ela esteve na cidade para uma apresentação de final de ano da série Concertos Zaffari. Preocupada com a catástrofe climática, a intérprete já havia procurado o maestro para se solidarizar.
— A Fafá é uma pessoa fantástica, e ela tem muitos amigos aqui e gosta do Rio Grande do Sul. Aceitou o convite na hora — recorda Matté.
A partir daí, com o apoio de Alexandre Ostrovski, da Atmosfera Produtora (que captou áudio e vídeo sem custos), o regente reuniu 19 músicos da orquestra. Ao som de violinos, violas, violoncelos, baixo e violão, a base da canção — com arranjo de Dhouglas Umabel — foi gravada em uma tarde (duas horas, para ser mais exata), no palco do teatro vazio.
O material foi enviado a Fafá, que estava em Lisboa, Portugal. Ela procurou um estúdio e gravou a voz em cima, daquele jeito que só Fafá sabe — com emoção em cada sílaba, como se estivesse aqui, no Rio Grande, ao lado das vítimas da enchente.
Enquanto isso, Suzana pediu ao poeta Luiz Coronel, letrista de mão cheia, que escrevesse um poema para integrar o projeto. Coronel atendeu ao convite e entregou um texto chamado "Canto e lamento de um desabrigado", que fala da fúria do Guaíba, do Brasil solidário e da vitória da vida sobre a morte (leia abaixo na íntegra).
Em uma semana, o trabalho 100% voluntário ficou pronto e foi postado nas redes sociais da ACPA e de entidades parceiras. Até sexta-feira (14), mais de 80 mil pessoas haviam assistido ao vídeo, que termina com um pedido de doação (veja no fim do texto como ajudar).
— Quando comovemos, também movemos o mundo. O resultado está sendo incrível. Tenho certeza de que vamos superar os desafios — projeta Suzana.
Veja o vídeo a seguir
O poema de Luiz Coronel
Canto e Lamento de um Desabrigado
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas,
o Guaíba vira mar.
Era uma casa modesta
de janelas com postigo.
Para um pássaro sem ninho,
sempre haverá um abrigo.
Coisas nossas lá se foram,
água solta e ventania.
Retratos do casamento
e comunhão da guria.
O barro deitou na cama
em nome da correnteza.
E a lama foi subindo,
serviu os pratos na mesa.
A vizinhança era boa,
compadres de estimação.
Churrasco, de vez em quando,
fim da tarde, o chimarrão.
O meu cachorro, Chimango,
sabe Deus por onde anda.
Se ouço o latido de um cusco,
me dá um nó na garganta.
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas
o Guaíba vira mar.
Se vieram ás águas da enchente
se foi tudo de roldão,
sobrados, ranchos e igrejas
postas de joelhos no chão.
Para uns o fim do mundo,
para outros, o calvário.
Entre avalanches e escombro,
um Brasil mais solidário.
O tempo nos ensinou
que tudo tem sua medida.
Que na luta de vida e morte
quem sempre vence é a vida.
As águas levaram tudo
que puderam encontrar.
Se eu chorar as minhas mágoas,
o Guaíba vira mar.
Luiz Coronel
Como ajudar
Para apoiar a campanha lançada pela Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA) pela recuperação do setor de turismo e eventos da Capital gaúcha, faça um pix em qualquer valor para ajudars@visiteportoalegre.com. A hora é agora.