As marcas estão em todos os lugares: nas paredes de casas simples e também de casarões, nas fachadas de lojas e bancos, nas portas dos restaurantes, nos condomínios, nos mercadinhos, nas grandes redes de supermercados e farmácias e até nos hospitais e postos de segurança. A água que brotou dos bueiros em regiões centrais de Porto Alegre não poupou ninguém por onde passou.
Restaram, além das perdas materiais e imateriais inestimáveis, manchas de lodo encardido a macular as edificações, como mostram as fotografias desta página, que eu mesma registrei em diferentes pontos do Centro e dos bairros Menino Deus e Cidade Baixa. Quem imaginaria uma coisa dessas na nossa Capital?
Não são apenas vestígios físicos da fúria do Guaíba, da emergência climática e a das falhas grosseiras (e imperdoáveis) no sistema anti-cheias que deveria ter protegido a cidade no momento mais crítico. São cicatrizes psicológicas que ficam dentro da gente.
Podemos até limpar a madeira e a alvenaria com cloro e lava-jato, esfregar o barro até ferir nossas mãos e depois, quem sabe, renovar a pintura para tentar esquecer. A lama que indica onde o nível da água chegou vai desaparecer da vista, mas as marcas invisíveis da enchente, não. Estas vão nos atormentar por muito tempo.
Mais ainda depois do repique da última semana, com alagamentos surgindo nos locais marcados e até onde não haviam chegado. Susto, desorientação e correria, tudo de novo. Trauma em dose dupla.
Ouvi alguém dizer que o barulho da chuva, mesmo manso, nunca mais será o mesmo. A água vital para a vida também fere e mata. Sempre que uma nuvem escura cruzar o céu e teimar em estacionar por aqui, vamos nos lembrar das marcas.
Pensando bem, talvez seja bom mesmo não esquecê-las — que elas nos ajudem a encontrar caminhos para superar a crise. Não podemos insistir nos mesmos erros (a omissão custou caro). Precisamos mudar o que for preciso para que a tragédia de 24 não se repita.
Não está morto quem peleia. Haja força e coragem para o que vem pela frente. As marcas serão combustível.