Dói ver e ouvir as histórias das pessoas que perderam tudo e que seguem enfrentando a tragédia climática no Rio Grande do Sul, mas machuca ainda mais quando as vítimas são crianças. Meninos e meninas retirados às pressas de casa, com perdas irreparáveis, vivem um trauma coletivo que será difícil de superar.
Muitos nunca tinham visto enchentes de tamanha proporção. A maioria, com cinco, seis anos, jamais havia imaginado que o rio lúdico da infância poderia se transformar no mar de ondas violentas que engoliu tudo pela frente, inclusive parentes e amigos. Para muitos, o Taquari era um lugar de lazer: das pescarias alegres, das churrascadas na barranca, do banho refrescante nos verões tórridos. Agora, é motivo de terror. Como superar isso?
Em uma reportagem comovente sobre a catástrofe em Muçum, Fábio Schaffner e Jefferson Botega contaram a história de Antonio Costa Corrêa e de sua filha, Valentina. Eles se salvaram, porque invadiram uma casa fechada e conseguiram subir até o segundo andar, de onde viram o "fim do mundo". Com o bico na boca, Valentina não soltou mais a mão paterna.
Em meio ao trabalho de recuperação dos serviços públicos essenciais nos municípios atingidos, o vice-governador Gabriel Souza foi surpreendido, em Roca Sales, por um menino de cerca de 10 anos, chamado Bernardo, que se aproximou dele chorando.
A reação de Gabriel, pai de uma menina na mesma faixa etária, foi a única possível: abraçar o garoto. Soluçando, Bernardo contou o motivo da comoção: tinha medo da chuva, que ameaçava despencar forte outra vez do céu carregado de nuvens. Tinha medo da mesma chuva que, antes, era motivo de alegria no Interior, onde a agricultura, tão castigada pelas recentes estiagens, é o carro-chefe da economia.
No Parque do Imigrante, que abriga centenas de flagelados em Lajeado, a jornalista Kelly Matos, mãe do Gabriel, um guri bonito e saudável de sete meses, também não conteve as lágrimas. No microfone da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta-feira (13), Kelly tremeu ao relatar a presença, em grande número, de crianças no local, tentando - se é que isso é possível - levar uma vida "normal" em meio ao caos.
Em imagens difíceis de apagar da memória, os fotógrafos de GZH flagraram, em meio aos escombros cobertos pelo barro, bonecas, bicicletas, carrinhos e bolas. Na corrida pela vida, os brinquedos - como as roupas, os móveis, os documentos - também ficaram para trás.
Daqui para frente, o desafio das autoridades e da população não é apenas a reconstrução de prédios, pontes e rodovias. É, também, encontrar formas de cuidar da saúde mental dos sobreviventes, inclusive, dos pequenos.