Desde o primeiro disco (Invento, 2013), que teve Vitor Ramil como convidado, a cantora e compositora curitibana Juliana Cortes vem desenvolvendo uma concepção musical com identidade sulina — um território abrangente que vai de São Paulo (onde vive há alguns anos) a Buenos Aires.
Lançado há pouco, o álbum 3 aprofunda como nunca essa relação: é fruto de uma residência proposta por Juliana a músicos atuantes em Porto Alegre (Ian Ramil, Zelito, João Ortácio, Poty Burch) e em Curitiba (Estrela Leminski, Rodrigo Lemos). Esse processo deu origem a um conjunto de canções que se referem tanto ao Brasil de hoje quanto ao mundo de nosso tempo. Saíram canções ásperas, corrosivas, debochadas.
Com concepção e direção de Juliana, e produção musical de Ian, o corpo do trabalho foi materializado por instrumentistas das duas cidades. Em Porto Alegre, Lorenzo Flach (guitarras), Guilherme Ceron (baixo), o argentino Martin Estevez, muito próximo dos Ramil (bateria, percussão). Em Curitiba, Du Gomide (guitarra), Erica Silva (baixo), Ian Giller (bateria). Mais algumas participações especiais.
No encarte do CD, Juliana destaca a atuação de Lorenzo, neto de Geraldo Flach — sua múltipla guitarra é mesmo fundamental na sonoridade do disco. Eu não saberia definir com exatidão tal sonoridade, que se faz mais de climas do que de ritmos. Simplificando, seria uma MPB do século 21, com camadas pop e texturas experimentais.
O pique alto de Cores de Fogo (Astronauta Tupi) abre o álbum com a voz de Pedro Luís e a letra começa assim: “Ardeu e um museu de nós se foi”. Serena Solar tem sete parceiros comentando o caos das grandes cidades. Ruidosa, com percussão de Airto Moreira (!), Terra Plana foi feita a quatro mãos, cita Marielle e termina com este verso: “Eu não tenho medo de você/ Eu não tenho ódio de você/ Eu não devo nada pra você/ Eu não tenho nada de você”. A seguinte, Macho-Rey (Juliana/Ian), é puro sarcasmo sobre grosseirões em geral. Só com a bela voz forte da visionária Juliana e a guitarra de Lorenzo, Prejuízo (Poty/João Salazar) tem uma letra irônica sobre os “mercados”.
3 é um disco pra se prestar atenção. Não espere “diversão”.
Antena
RESSIGNIFICAR, de ZéVitor
Quando o cantor e compositor carioca começou a antecipar este segundo álbum (o primeiro, Cronológico, é de 2018), os singles e vídeos vieram com uma concepção gráfica única, criada pelo ótimo artista plástico Lucas Paixão.
Embora os singles isoladamente pudessem passar outra impressão, as oito faixas do álbum trazem canções românticas de espírito pós-adolescente, quase todas com letras que são monólogos dirigidos a uma mulher, apaixonados ou não. As melodias não são muito diferentes umas das outras, nem o modo de cantar de ZéVitor, voz “pequena” aos moldes dos anos 2000. Mas o álbum tem uma roupagem pegadora. Disponível nas plataformas digitais.
ALMA E CORAÇÃO, de Chico Lobo
Inesgotável é um bom adjetivo para definir Chico Lobo, mais conhecido violeiro das Minas Gerais. Alma e Coração é seu 26º álbum em pouco mais de 30 anos de carreira. Fora os shows e as muitas parcerias. Como agora, quando traz à tona um trabalho produzido durante a pandemia reunindo os convidados Roberta Campos, Drigo Ribeiro, Luiz Carlos Sá e Tatá Sympa.
Uma das marcas de Chico é ser agregador, o que faz com que seus discos tenham muita alma. Mas este tem uma dinâmica especial, abre o leque, com letras que mesclam do ceticismo à esperança. Além da viola, tem no geral violão, baixo e bateria. Todas as músicas são belos exemplares da sensibilidade terrunha do cantador. Kuarup Música, CD, R$ 25.
60 ANOS DE MÚSICA, de Caçulinha
Em meados dos anos 1960, quando eu ligava a TV para vibrar com Elis Regina no programa O Fino da Bossa, lá estava o Regional de Caçulinha. E nunca mais perdi de vista o acordeonista, pianista e líder de grupos, que talvez seja o músico mais ligado à história da TV brasileira.
Este disco, gravado ao vivo em São Paulo, em 2019, festeja seus 60 anos de carreira fazendo um resumo desse tempo em músicas de grandes compositores nas vozes de quem foi acompanhado por ele. Pelas 14 faixas passam Mônica Salmaso (Contrato de Separação), Sérgio Reis (O Menino da Porteira), Wanderléa (A Saudade Mata a Gente e Felicidade), Agnaldo Rayol (Começaria Tudo Outra Vez) e Simoninha (Sá Marina), entre outros, com direito a duas instrumentais. Kuarup Música, CD, R$ 25.