No cotidiano, ele tem um temperamento discreto. Conversa com calma, não altera o tom de voz, não se faz notar em um ambiente com pessoas que não o conheçam. Mas é só colocá-lo em um palco diante do público, ou mesmo estando sozinho “dentro” de suas paredes de teclados, para que se transforme em um homem-música, tirando do vácuo um inesgotável turbilhão de sons. Ele é Eloy Fritsch, talvez o mais notável tecladista brasileiro da música progressiva. Em seu 14º álbum solo, Moment in Paradise, traz algumas novidades para os admiradores, que estão em maior número no Exterior – principalmente EUA e Europa.
O fato de ser o 14º trabalho de estúdio já é um espanto. Mais: enquanto este tem lançamento só digital, por conta da pandemia, os outros 13 saíram também em CD. Sem contar os 10 com sua banda Apocalypse, sendo sete de estúdio e ao vivo e três DVDs – em 2018, a Apocalypse comemorou 35 anos com um show gravado ao vivo. No total, são 24 álbuns, todos instrumentais – só Teixeirinha gravou mais no Rio Grande do Sul. Eloy justifica:
– Componho muito e preciso registrar esses trabalhos, tenho que sempre estar ativo, um professor precisa exercer sua profissão.
Desde 1999 ele leciona Composição nos cursos de Música (popular e erudita) da UFRGS, o que envolve composição com computador, música e tecnologia, trilhas sonoras e prática coletiva. Formado em Ciência da Computação na Universidade de Caxias do Sul (UCS), sempre teve essa área de interesse, desde quando, aos 13 anos, começou a estudar piano e a acompanhar o pai, técnico em eletrônica, que “montou” a Rádio Caxias e a TV Caxias (esta, mais tarde, RBS TV Caxias). Enquanto o “velho” trabalhava, Eloy ficava ouvindo música na discoteca da rádio.
– Lá comecei a ouvir música eletrônica, rock progressivo, grupos que usavam sintetizadores. O início dos anos 1980 foi a era de ouro dos sintetizadores. Adorava Jean-Michel Jarre, Vangelis, Kraftwerk, Rick Wakeman, Yes, Pink Floyd, Emerson, Lake & Palmer. Logo comprei um sintetizador e montei a Apocalypse.
O tecladista inglês Keith Emerson é homenageado no novo álbum: a música Silver Dream é dedicada a ele. Emerson também gostava de estar cercado de teclados. Eloy não gosta de perguntas sobre quantos teclados tem. Se o interlocutor insiste, ele conta “uns 15, de todas as gerações, analógicos, virtuais e digitais”. No novo disco, usa piano e teclados clássicos como Clavinet, Fender Rhodes, órgão Hammond e Minimoog, além de bateria e baixo. Antigamente, se dizia que um disco de uma pessoa só era uma “egotrip”. Ele assume. Faz tudo sozinho desde 1992. Mas este ano foi diferente.
– Eu tinha vários projetos para 2020 com apresentações musicais e shows com o Apocalypse. Com a pandemia foram todos cancelados. Após um período de depressão e adaptação à nova realidade, consegui energia para voltar a compor.
Moment in Paradise começa com High Place, suíte em quatro movimentos que antecipa uma das novidades no estilo de Eloy: o jazz progressivo, com muito improviso. Esse jazz vai aparecer em outras passagens, como em Funny Moments. A marca sinfônica do compositor se mostra especialmente na faixa título, de impacto grandioso, com direito a um coral digital. Outra característica do álbum é o toque romântico, presente em Blue Eyes Reflected Over the Ocean. Mas o rock progressivo não faltaria, está em Drone Attack, nem o espírito viajante, espacial, que fecha o disco com “violinos” em Gently Touch the Sky.
Aos 52 anos, casado, três filhos (todos envolvidos com música), o caxiense Eloy Fritsch tem domínio pleno da forma de arte que escolheu. Não está preocupado com reconhecimento público no Brasil.
– A música que faço não tem muita saída aqui, é mais consumida lá fora. Vários de meus discos saíram por gravadoras especializadas em música progressiva e new age da Holanda e da França. Quando o Apocalypse tocou nos EUA, boa parte do público sabia de nós. Por isso os títulos em inglês. As revistas especializadas escrevem sobre nosso trabalho. Mas mesmo no Brasil muita gente me escreve. Atuo em um nicho.
Na página de Eloy na internet, ef.mus.br, se pode ter uma ideia completa do que ele faz e pensa. O visual das capas dos discos, por exemplo, é seguido à risca. Todas têm o mesmo espírito, sejam desenhadas por artistas brasileiros como o gaúcho Alexandre Bandeira e o amazonense Wendell Souza, seja usando desenhos de ficção científica estrangeira. E o que lê Eloy? Ganha algum dinheiro com sua música?
– Leio livros que tenham relação com música. Uma leitura mais técnica do que literária. Além das questões acadêmicas, leio sobre astronomia e filosofia. E não penso muito no retorno financeiro dos meus discos. O que ganho com eles uso para comprar equipamentos. Arte às vezes não combina com capitalismo, materialismo...