Com uma caixa de quatro discos, o bardo de Brejo do Cruz começa a comemorar quatro décadas de carreira. Zé Ramalho conta esse tempo a partir de 1976, quando chegou ao Rio para tocar com Alceu Valença – no ano anterior já lançara em Recife, com Lula Côrtes, o hoje cultuado álbum Paebirú, que teve circulação restrita. Com o título de Voz & violão 40 anos de música, a caixa é o sumo da obra do paraibano. Tendo no estúdio somente o coprodutor e técnico de gravação Robertinho de Recife, ele canta 22 canções, abrindo com Avôhai, Chão de giz e Vila do Sossego, justamente as três primeiras do disco de estreia (1978). Entre as outras, A terceira lâmina, Táxi lunar, Frevo mulher, Admirável gado novo, Pepitas de fogo, Canção agalopada, Força verde, Garoto de aluguel, Kriptônia, Eternas ondas, Banquete de signos e três de outros autores: Entre a serpente e a estrela (versão de Aldir Blanc para Amarillo by morning, de Terry Stafford/Paul Fraser), Sinônimos (César Augusto/Paulo Sérgio) e Batendo na porta do céu (versão dele para Knocking on heaven’s door, de Bob Dylan).
Leia mais colunas de Juarez Fonseca:
Belém e Marajó estão em pleno verão musical em julho
Três cantoras brasileiras para ficar de olho
Elomar: sertanejo e erudito
O disco 3 é um DVD registrando essas gravações (exceto as de outros autores) e ainda Mulher nova, bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor. Zé Ramalho comenta que é uma maneira de os fãs aprenderem as posições no violão – são três instrumentos, um Yamaha, um Crafter e um exclusivo, feito pelo luthier Lodi. A ficha técnica não diz, mas além do violão há no fundo uma programação de bateria que funciona como um metrônomo.
A voz em 2016 está mais grave e agreste do que nunca, contraste que se percebe com nitidez ao ouvir o disco 4, inédita gravação também de voz e violão (cordas de aço) feita em 1996 nos preparos para a comemoração dos 20 anos de carreira. Ao lado das mesmas canções clássicas (Avôhai, Chão de giz etc.), Ramalho já incluía autores que futuramente gravaria em álbuns-tributo: Luiz Gonzaga (ABC do Sertão), Raul Seixas (Medo da chuva) e o próprio Dylan. Nos encartes dos discos espalha-se uma entrevista atual com o cantador, comentando-os.
A caixa pode parecer redundante, mas na verdade esta obra nunca foi ouvida de forma tão despojada e crua. E vendeu milhares de discos.
VOZ & VIOLÃO 40 ANOS DE MÚSICA
De Zé Ramalho
Caixa com quatro discos, Avôhai Music/Discobertas, R$ 80.
A primeira cantora black
Na segunda metade dos anos 1970 o movimento Black Rio estava no auge, com dezenas de bailes na periferia e as gravadoras lançando artistas de sucesso como Gerson King Combo, Hyldon, Cassiano, a Banda Black Rio e o mais influente deles, Tim Maia. Era a onda da soul music e do funk adaptados ao Brasil. A primeira mulher cantora revelada por essa onda foi Sandra Sá, jovem carioca do subúrbio de Pilares. A caixa Anos 80 reúne os quatro LPs iniciais da cantora e compositora, lançados entre 1980 e 1984 e até agora inéditos em CD. Demônio colorido, música que a lançou, no Festival MPB 80, já trazia o orgulho da negritude. Foi o primeiro sucesso, incluído no álbum de estreia.
Mas os discos mais marcantes da fase inicial foram o segundo e o terceiro, com arranjos de, entre outros, Lincoln Olivetti e Oberdan Magalhães (Banda Black Rio), muitos teclados e metais. O sucesso Olhos coloridos puxava o álbum de 1982. A incendiária Vale tudo, do terceiro disco, vinha com a participação do autor, Tim Maia. No álbum de 1984, primeiro para a Som Livre, Sandra abriu o leque, cantando samba, soul, pop, funk, blues e um ponto de macumba, de autores como Lulu Santos, Guilherme Arantes, Jamil Joanes, Frejat/Cazuza. A faixa bônus é o sucesso Enredo do meu samba (Ivone Lara/Jorge Aragão), da trilha na novela Partido Alto.
Com o nome alterado para Sandra de Sá em 1988, ela sempre foi uma artista militante dos movimentos sociais e de classe. É presidente da União Brasileira de Compositores.
ANOS 80
De Sandra de Sá
Caixa com quatro CDs, Discobertas, R$ 80.
ANTENA - Lançamentos
Carolina, de Carol Saboya - Neste 12º álbum, gravado nos EUA, a cantora carioca parte de Passarim (Tom Jobim), clássico da pós-bossa, e chega à conhecida Zanzibar (Edu Lobo), cantada em scat com arranjo quase hermetiano de seu pai e produtor Antonio Adolfo. “Depois de escolher as músicas percebi que é o disco que mais demonstra minhas influências”, diz Carol. Sua bela voz de afinação impecável neutraliza estilos e gerações distantes, como o ancestral choro 1 x 0, de Pixinguinha (ótima letra recente de Nelson Ângelo), e a balada Fragile, de Sting. Ou como o samba Senhoras do Amazonas (João Bosco/Belchior), a neo bossa Avião (Djavan), a pop Hello Goodbye (Beatles) e a pré bossa A Felicidade (Tom/Vinicius). Junto à voz e ao bom gosto, a unidade do disco é sublinhada pelos arranjos jazzy em que brilham Leo Amuedo (guitarra, violão), Marcelo Martins (sopros), Jorge Helder (baixo) e, claro, Antonio Adolfo (piano). AAM Music/Rob Digital, R$ 23,50
Concerto para Pixinguinha, de Vânia Bastos e Marcos Paiva - Volta e meia temos releituras da obra de Pixinguinha (1897 – 1973); mas, que eu saiba, nada que se aproxime deste projeto. O show, com a cantora Vânia Bastos e o grupo liderado pelo baixista Marcos Paiva, estreou em 2013 para marcar os 40 anos da morte do compositor. O sucesso das apresentações pelo Brasil levou ao disco, gravado este ano em estúdio. Voz símbolo da vanguarda paulista dos anos 1980, Vânia não tinha familiaridade com Pixinguinha, o mesmo ocorrendo com Paiva. É essa descoberta que dá cores inéditas ao projeto. Vânia, Paiva e seu quarteto (baixo, sopros, bateria e, diferencial, vibrafone), "encaram" a obra do mestre sem o habitual viés de tradição dos discípulos. Daí, ressurgem choros, maxixes, sambas e valsas, dos cantados Rosa, Fala baixinho, Carinhoso, Lamentos, e Urubu malandro aos instrumentais Seu Lourenço no vinho, Cochichando e Displicente. Conexão Musical/ Atração Fonográfica, R$ 25
Sorria, de Carol Andrade - A cantora e compositora paulistana Carol Andrade valoriza muito o elogio da brasiliense Rosa Passos, materializado no encarte deste terceiro disco. Diz Rosa: “Sorria é pra ser escutado com o coração tranquilo, num dia quieto, debruçado na paz, deitado na rede, tomando um sorvete, sorrindo pra vida”. Rosa é uma das influências explícitas dela, ao lado de Mônica Salmaso, Joyce Moreno, Zizi Possi, Ella Fitzgerald, Diana Krall. Carol, que cantou recentemente em Porto Alegre, tem um trabalho pautado pelo amor à natureza, e este terceiro disco é o mais explicito nesse sentido. Todas dela, as canções oscilam entre o lírico (“Sorrio até cair na gargalhada/ Brincar com o diafragma/ Sorrio só pra arejar a mente”) e o político (“Enquanto pequenos homens acumulam/ Grandes homens querem repartir”). Com arranjos do violonista Alex Maia, o álbum afirma uma artista que canta bem e tem o que dizer. Independente/Tratore, R$ 35