Céu costuma dizer que tudo o que ouve a influencia. Desde 2005, quando lançou o primeiro disco, a cantora e compositora paulistana vem testando seu crescente público com álbuns distintos uns dos outros. Neste quarto, Tropix, dá talvez a guinada mais radical – e aí podemos ver que, sim, ela tem um estilo. “De repente se desvencilha das diferentes camadas orgânicas que compunham seu universo musical para entrar num mundo de timbres frios, linhas de baixos pontiagudas, viço robótico, ciclos repetitivos, eletrônica vintage”, escreve o crítico Alexandre Matias no material de divulgação.
A palavra-síntese poderia ser “eletrônica”, e o disco é marcado pelos múltiplos teclados do francês Hervé Salters (do grupo General Eletriks). Mas tire da cabeça o que você entende por música eletrônica, pois Céu se apropria dessa linguagem para moldá-la ao seu estilo. O CD flui com a naturalidade da voz quase mínima, sem contrastes, às vezes hipnótica. As belas melodias e letras bem tramadas bailam nas ondas sonoras criadas por Salters e o baterista Pupillo (da Nação Zumbi), os produtores.
Lançado no dia 23 de março, o videoclipe da faixa de abertura, Perfume do Invisível, já tem quase 150 mil visualizações no YouTube. Começa lenta e, de repente, um riff da guitarra de Pedro Sá abre a dança com o baixo de Lucas Martins. Os beats dançantes estão em praticamente todas as músicas, cruzados por ritmos como bolero (em Sangria), xaxado (Minhas Bics), rock viajante (Chico Buarque Song, da banda oitentista Fellini, letra em inglês), funk (A Nave Vai, de Jorge Du Peixe), mambo (Rapsódia Brasilis). As duas últimas fecham o disco e têm orquestra de cordas que se encaixam na textura eletrônica, insinuando um próximo rumo de Céu.
Quero citar mais três, que você também pode conferir na internet: Varanda Suspensa, com um órgão que lembra a Jovem Guarda, a tecnopop Etílica/Interlúdio, com participação de Tulipa Ruiz, e A Menina e o Monstro, inspirada na filha da compositora, Rosa Morena – composta “quando Céu viu o susto que a menina levou ao aprender a ler e perceber que tudo ao redor dela era texto”, conta Matias. Um dos grandes lançamentos do ano.
TROPIX
De Céu
Lançamento Urban Jungle/Slap, R$ 26.
Veja o videoclipe da canção Perfume do Invisível
As cantoras e o futuro no Unimúsica
Maria Bethânia, com o show Caderno de Poesias, abre no dia 2 de junho a temporada 2016 do Unimúsica, no 35º ano do projeto da UFRGS. Será uma edição feita integralmente por mulheres, a partir do mote “Sobre a palavra futuro”. Desde 2002 à frente do Unimúsica, Lígia Petrucci diz que as cantoras escolhidas, cada uma a seu modo, levarão o público a refletir “sobre o que pode a música diante do que estamos vivendo hoje”. As outras atrações são a carioca-paulista Juçara Marçal (7 de julho), a cearense Marlui Miranda (4 de agosto), a baiana-pernambucana Karina Buhr (1º de setembro), as gaúchas Vanessa Longoni, Gisele De Santi, Gutcha Ramil e Carina Levitan (6 de outubro, com um show especialmente produzido) e a carioca Elza Soares (3 de novembro). Como sempre, na véspera das apresentações as cantoras participam de entrevista aberta ao público.
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Antena
CORDAS, GONZAGA E AFINS, de Elba Ramalho
Este é o quarto DVD da cantora e, sem dúvida, o melhor. Gravado em 2015 na turnê do show em homenagem a Luiz Gonzaga, com 13 músicos no palco (o grupo Sagrama e o quarteto de cordas Encore), tem um roteiro muito bem estruturado. Entre os clássicos de Gonzagão (todos), Elba insere algumas das principais influências dele, de Gilberto Gil (Domingo no Parque) e Caetano Veloso (O Ciúme) a Alceu Valença (Tomara), Dominguinhos (Sanfona Sentida), Zé Ramalho (Chão de Giz), Chico César (Béradêro) e Lenine (Ciranda Praieira). Chico Buarque comparece com três (!) canções, entre elas a ancestral Funeral de um Lavrador, sobre versos de João Cabral de Melo Neto. Ela não esqueceu do Assum Branco de Zé Miguel Wisnik, avesso do Assum Preto de Gonzaga. Naná Vasconcelos, em uma de suas últimas aparições, está entre os convidados, assim como o paulista Marcelo Jeneci. Um grande DVD, verdadeira elegia nordestina, com Elba em estado de graça. Natura Musical/Coqueiro Verde, R$ 30
ANTES DO MUNDO ACABAR, de Zélia Duncan
Entre as incursões de cantoras da MPB pop pelo mundo do samba, arrisco dizer que este disco faz de Zélia a mais bem-sucedida em termos de resultado final. Simplesmente porque, sem deixar de ser ela, parece compor e cantar samba desde criança. Um de seus predicados é ser meio camaleônica, ok, mas aqui ela acerta mesmo a mão, convence. Feito com produção de Bia Paes Leme, que aglutinou músicos de primeira ao comando do violonista Marco Pereira, o álbum tem 10 sambas de Zélia e parceiros e quatro regravações. Pela felicidade com que faz letras como Dormiu, mas Acordou (com Arlindo Cruz), No Meu País (Xande de Pilares) e Antes do Mundo Acabar (Zeca Baleiro), ela já merece destaque. As regravações revelam que também sabe garimpar, como na rara malandragem de Paulinho da Viola em Pintou um Bode, gravada originalmente em 1989. Tudo bom desde a capa. Biscoito Fino, R$ 29,90
ELA, de Clara Gurjão
Eu já tinha lido o nome dela aqui e ali, citado como violonista e cantora da cena alternativa do Rio. Mas este primeiro disco de Clara Gurjão, feito com músicos como os coprodutores Kassin, Danilo Andrade e Marcelo Costa, da linha de frente da nova música carioca, mostra que ela é mais do que eu esperava. Para começar, canta lindamente, voz cristalina e colorida. Depois, é compositora como não se tem todo dia, abrangente, cheia de ritmo (o CD tem samba, pop, bolero, funk) e com letras que dizem. Pra começo de conversa, em Pequenos Segredos, que lembra Rita Lee, ela alfineta a moral da classe média: “Essa senhora que passa aqui na rua, insuspeita, só guarda um segredo inconfessável: ela sai com um garotão da idade do seu filho...”. De outra influência, Caetano, canta Muito (de 1978). Nova, mas experiente, ao que tudo indica, Clara chega para ficar. Independente/Tratore, R$ 20
* Todos os álbuns aqui comentados estão nas plataformas digitais.