Era uma rádio única, livre e subversiva, transmitindo desde Porto Alegre. A horda de alienígenas que ocupava a Terra iria acabar com ela. Mas alguém salvou a gravação do último programa apresentado antes da invasão do estúdio... incluindo a gritaria de júbilo dos alienígenas pela conquista. Essa gravação, que dura 59 minutos, é revelada agora no quinto álbum da Bidê ou Balde, Gilgongo! - Ou A Última Transmissão da Rádio Ducher.
Há muito tempo não se ouvia algo tão divertido no mapa da música brasileira. O disco termina e você quer mais. O programa, que tem como apresentadora uma certa Katia Suman (real ou persona?), inclui comerciais e insólitas receitas culinárias do pândego Plato Divorak entremeando músicas novas e antigas da BouB e alguns amigos. Novamente inspirado em textos de Kurt Vonnegut, Gilgongo! segue o formato de trabalho conceitual usado no CD anterior, Eles São Assim. E Assim por Diante (2012), mas com uma trama muito mais interessante, recheada de detalhes e acabamento bem superior. Sem dúvida uma das surpresas do ano.
Leia nas colunas anteriores
Novo disco da cantora Cida Moreira tem visão amarga sobre o Brasil
Cada vez mais livros sobre música
Sem assessores nem seguranças
Fughetti Luz sai da toca e prepara novo disco
São 26 faixas entre músicas e vinhetas. A primeira, Much More Than a Friend, é uma versão de ar beatle feita por Luciano Albo para +Q 1 Amigo (do CD citado). A última é a mesma, mas com arranjo para banda e assobios e rebatizada de +Q 1 Vanessa (?). Das antigas, aparecem ainda o hit Melissa, em versão instrumental de Astronauta Pinguim e seus teclados ancestrais, e Eu Gostaria de Matar os Dois, da Graforreia Xilarmônica, que a BouB gravou em 2004, mas nunca lançou.
Das novas, assinadas pelo pessoal da banda (Carlinhos Carneiro, Vivi Peçaibes, Rodrigo Pilla e Leandro Sá, juntos ou separados), destaco o rock Não Para(r) Mais (lembra a Blitz), o country Fazer Tudo a Pé, o rap Final de Novela (com Borghettinho e a banda Rafuagi) e outro rock, o especialmente hilário À La Minuta. Edu K, Frank Jorge, Pedro Dom e Pedro Porto estão entre as participações, Gilberto Ribeiro Jr. ajudou a produzir. O profe Luís Augusto Fischer assina um dos textos de apresentação - e ele não mete a mão em cumbuca...
Areia nos olhos ao som de Ian Ramil
Temos que nos preparar para o show duplo de Ian Ramil e Ava Rocha dia 17, no Theatro São Pedro. Não vai ter moleza. Filha de Glauber Rocha, a cantora carioca vem lançar o primeiro disco solo, Ava Patrya Yndia Yracema. Ian vem lançar seu segundo, Derivacivilização. Os críticos vêm usando um bom repertório de elogios para ambos.
Elogios e espanto pelas contundências. E pela qualidade. Diz Ian, sobre o show: "Fazer essas noites com Ava vai ser uma alegria para fechar esse ano desconfortável em que lançamos discos desconfortáveis dentro um cenário musical predominantemente fofo. Ava não tem medo de arregaçar a realidade e expor coisas que as pessoas geralmente lutam para ignorar. Me sinto em casa na música dela".
Enquanto ouvia o disco de Ian, eu ia anotando: ruidoso, inquieto, debochado, corrosivo, complexo, areia nos olhos. Das 10 faixas, apenas uma parece arrefecer o discurso contra o excesso de informação inútil e a falta de perspectivas. Ao lado dos músicos Guilherme Ceron, Felipe Zancanaro, Pedro Dom, Martin Estevez, dos convidados Filipe Catto, Gutcha Ramil e Alexandre Kumpinski, ele faz um álbum com substrato musical de vanguarda e teor ideológico de manifesto político-geracional. Uma síntese pode ser a faixa Artigo 5º, cuja letra reproduz o trecho da Constituição que começa com "todos são iguais perante a lei". Mas: "Se você quiser pode cagar nesse artigo" (...), "e se tiver poder pode cagar nessa Constituição, que dá nada...".
O Ian Ramil que víamos como o filho de Vitor tornou-se um adulto com vida e estilo próprios.
Antena
The Power of Love
De Luciano Leães & The Big Chiefs
Considerado o maior pianista (e organista) do blues feito no Brasil, o porto-alegrense Luciano Leães esperou 20 anos até julgar-se maduro para lançar seu trabalho autoral. Tocou e gravou com grandes nomes nacionais e internacionais, estudou os mestres e se apaixonou pela tradição de New Orleans, onde convivem e se cruzam vários gêneros negros. "Procurei nunca me prender a um estilo só", resume. O resultado dessa trilha, The Power of Love, abre a carreira solo empolgando até gente como Bob Lohr, ex-pianista de um de seus ídolos, Chuck Berry. Além de tocar com precisão estilística rara e de compor em inglês com total naturalidade, Luciano amarra tudo cantando como um negro blueseiro. A voz foi a última coisa que ele treinou, depois de ganhar confiança nos outros princípios.
O disco tem vários tipos de blues, do lento ao dançante, passando por rhythmnblues e jazz. Os ótimos Big Chiefs são Gabriel Guedes, Edu Meirelles e Alexandre Loureiro. Entre os convidados, Solon Fishbone, Gaspo Harmônica, Julio Rizzo, Rodrigo Siervo e Luana Pacheco. Independente, R$ 30, infos (51) 8110-1423
Rock LUV
De Nei Van Soria
O nono álbum solo de Van Soria, cuja carreira completa 20 anos em 2015, poderia ser uma grande produção cheia de convidados. Poderia voltar mais atrás, aos 30 anos da estreia de sua primeira banda, o TNT. Mas ele resolveu ir para o estúdio com um trio para fazer um simples disco de pop rock romântico, com a intimidade que a síntese "luv" (love) indica. São nove histórias, quase todas de amor bem ou mal sucedido, quase todas de espírito juvenil, como a faixa-título ("Eu vou falar tudo o que eu sinto por você/ Quero ver até onde essa história vai nos levar/ Será que você sabe o que é LUV?"), ou como Meus Motivos ("Pois você também errou e também não é perfeita/ Mas é com você que eu quero ser feliz"). Talvez a melhor seja Festa RocknLUV, em que ele cita seus sucessos Cachorro Loco, Jardim Inglês e Sob um Céu de Blues. Aqui e ali um espírito de Fábio Jr. paira sobre o disco, feito com a costumeira competência por Van Soria (piano, teclados, violão, guitarras), mais Juliano Pereira (baixo) e Leandro Schirmer/Fernando Samalea (bateria).
Good Music Records, R$ 30