O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) sabia que um trecho de 200 metros da nova ponte do Guaíba, entre a Ilha Grande dos Marinheiros e a Ilha do Pavão, estava sendo construído 44 centímetros mais baixo do que o estipulado em edital. Documentos aos quais a coluna teve acesso de forma exclusiva demonstram que a autarquia não foi surpreendida com a decisão do Consórcio Ponte do Guaíba, formado pelas empresas Queiroz Galvão e EGT Engenharia, em realizar a obra no Canal Furado Grande, em Porto Alegre, com parâmetros diferentes do que o exigido no Manual de Hidrologia Básica para Estruturas de Drenagem do próprio departamento.
Em 18 de abril, o consórcio Ponte do Guaíba encaminhou documento ao Dnit respondendo os questionamentos feitos pela Ecoplan Engenharia - empresa contratada para fazer a supervisão da construção. Nele, são apresentados seis estudos diferentes, com níveis divergentes, para a máxima do Guaíba.
São citados um estudo de uma empresa alemã; outro desenvolvido no anteprojeto da obra pela Engevix; um terceiro apresentado no 13° Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos de Germano e Meneses; o próprio levantamento que embasou a licitação; um quinto que foi feito pela Queiroz Galvão e EGT; e, o último, da prefeitura de Porto Alegre, que embasou o projeto do reassentamento nas ilhas. E é exatamente este último que determinou o tamanho atual da ponte.
"No que tange a folga.... , (é) necessário que se considere que a cota da face inferior das vigas de extremidade da ponte... é de +3,66 m, relativo ao nível de água zero, o que, para um nível de água passível de ocorrer no tempo de retorno de 100 anos de 3,23 m, seria adequado e suficiente" diz o documento.
O estudo que foi usado na concorrência pública, que previa a ponte a 4,10m, é chamado pelo consórcio como o mais "pessimista" de todos. Porém, as empresas que participaram da licitação usaram exatamente este estudo para formular suas propostas. O Consórcio Ponte do Guaíba foi anunciado o vencedor pois, das que tinha atribuição técnica para realizar a obra, foi o que apresentou o valor mais baixo. A altura da ponte influencia nos custos.
Como regra, o manual do Dnit diz que uma ponte só pode ser erguida se respeitar a cota de máxima de cheia, que é quando o nível do rio atinge sua altura máxima histórica. Para tanto, é necessário prever que a elevada seja construída sempre no mínimo um metro acima do nível máximo.
No caso dessa região do Guaíba, a altura da ponte deveria ter 4,10m, mas está sendo construída com elevação de 3,66m. Dessa forma, há risco da elevação do Guaíba invadir a ponte ou atingir as vigas, o que poderia levar a uma interdição da travessia.
- Sempre que a água atinge a parte inferior da ponte (vigas existentes) ocorre um esforço que nem sempre é levado em consideração quando o projeto é realizado. A partir desse momento, a operação da ponte fica prejudica, na iminência de acontecer uma diminuição na estabilidade da estrutura - descreve o engenheiro civil e doutor em Transportes da UFRGS, João Fortini Albano.
No documento que a coluna teve acesso, o consórcio relata que todos os projetos entregues foram "analisados e integralmente aprovados pelos setores técnicos responsáveis" do Dnit. Posteriormente, já durante a execução das obras, a construção foi "diariamente acompanhada e fiscalizada pela própria supervisora de obras em questão e pela fiscalização de obras do Dnit".