Depois de quase três meses de reuniões e análises, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), Cezar Miola, revogou, nesta sexta-feira (8), a medida cautelar que impedia a assinatura de um acordo entre a prefeitura de Porto Alegre e a empresa Karagounis Participações sobre a necessidade de realização de obras no entorno da Arena do Grêmio. Com a decisão, as tratativas para tirar as obras do papel poderão prosseguir.
Durante o trâmite do processo no TCE, a área técnica do tribunal entendeu que existiam indicativos de irregularidades na proposta de acordo, quando foi identificada desproporcionalidade na redução das obras e falta de garantias de que a empresa realizaria as melhorias. A prefeitura apresentou novos documentos para corrigir estas distorções.
Ao revogar a cautelar, o conselheiro Cezar Miola afirmou que, embora persistissem algumas das inconformidades apontadas pela equipe de auditoria do TCE, houve avanço desde a suspensão do ajuste. Entre essas questões, está a deficiência de alguns orçamentos apresentados e a inexistência, no processo, das matrículas dos imóveis dados em garantia.
Caso as sugestões apontadas não sejam seguidas, Miola alerta que o prefeito será cobrado. Se o acordo não for cumprido, Nelson Marchezan poderá ser chamado a pagar os danos causados aos cofres públicos com seu próprio patrimônio.
- Ao prefeito, isto é, a quem detém o maior domínio sobre todas as circunstâncias que envolvem a negociação em exame, compete avaliar a oportunidade e a conveniência do acordo, observando as prescrições legais que regem a matéria e adotando todas as providências necessárias ao acautelamento do erário, sob pena de responsabilização" - disse o conselheiro.
A empresa Karagounis irá realizar parte das melhorias previstas no licenciamento do complexo construído na região da Arena do Grêmio como contrapartida à concessão de cartas de habitação para as torres residenciais do empreendimento. Entre as obras incluídas no acordo estão a duplicação da avenida A. J. Renner, melhorias na rede de água e esgoto para atender futuros empreendimentos na região, reforma das paradas de ônibus locais e a construção de ciclovia.
Obras antes previstas foram excluídas do acordo. São elas: construção de um terminal de ônibus, prolongamento das avenidas Voluntários da Pátria e Gilberto Lehnen, a construção de laços de quadra da avenida A. J. Renner e rua Dona Teodora, a reformulação do trecho já duplicado da A. J. Renner e a reformulação dos acessos entre as avenidas Farrapos e A. J. Renner.
A retirada dessas melhorias do acordo ocorreu porque houve revisão dos investimentos que a região receberia. Na concepção original do chamado Complexo Arena havia a construção de salas comerciais, um hotel e um shopping center não serão mais construídos.
Porém, para que esse trabalho comece, ainda é necessário aguardar o fim de uma outra novela. Uma ação judicial discute o tema na 4ª Vara da Fazenda Pública. Nele, um acordo entre a prefeitura e a empresa está sendo costurado. O Ministério Público se manifestou contrário.
Entenda a polêmica
Em 2012, a Arena foi inaugurada sem uma série de obras que oportunizariam melhorias no acesso ao estádio. A realização dos trabalhos ficou sob responsabilidade da construtora OAS. As obras do entorno da Arena estão paradas desde outubro de 2015 — as discussões sobre as contrapartidas do estádio começaram ainda em 2014.
Quando assinou o contrato para construir a Arena do Grêmio, a OAS assumiu o compromisso de realizar uma série de obras exigidas pela prefeitura de Porto Alegre. Porém, em abril de 2012, o então prefeito José Fortunati; o procurador-geral do município, João Batista Linck Figueira; e sete secretários municipais assinaram, com representantes da construtora, um termo de compromisso no qual a prefeitura assumia a responsabilidade por todas as obras na região. O Ministério Público do Rio Grande do Sul questionou a assinatura do documento e prometeu ingressar na Justiça. Em agosto de 2013, a prefeitura estimava que todas as obras custariam R$ 128 milhões.
Em novembro de 2014, pressionada pelo Ministério Público, a administração municipal voltou atrás e revogou documento que assumia todas as obras. Um mês depois, a prefeitura abriu mão de 30% das melhorias que seriam realizadas no entorno da Arena para garantir um acordo com a construtora.
Entre as justificativas estava o temor que a discussão judicial poderia se arrastar por mais de uma década, o que protelaria a necessidade da realização das melhorias. De acordo com a prefeitura, esses 30% de obras não seriam tão significativos se comparados com a espera pelo julgamento definitivo da ação. A justificativa foi aceita pelo Ministério Público.
A construtora deixou de cumprir suas obrigações a partir de outubro de 2015. Segundo o acordo, se os serviços não fossem realizados ou se houvesse execução parcial das obras estabelecidas, a construtora receberia multa diária de R$ 5 mil.
Com as obras paradas, em janeiro de 2016, a prefeitura decidiu suspender a emissão do Habite-se para o complexo de prédios residenciais que a OAS ergueu ao lado da Arena do Grêmio. Em março de 2017, a 2ª Câmara Cível atendeu recurso do Ministério Público e proibiu ocupação dos prédios.
Em março de 2017, a Karagounis entrou na negociação. A empresa foi a responsável pela construção e comercialização dos prédios. Ela é controlada por um fundo de investimentos imobiliários ligado à Caixa (detém 65% de participação) e pela OAS Empreendimentos (outra empresa do grupo, que detém 35%).
Em junho do mesmo ano, o Ministério Público informou que preparava uma ação para cobrar da OAS e das empresas do grupo as contrapartidas definidas. Em dezembro, a proposta da Karagounis foi oficialmente apresentada ao Ministério Público.
Em fevereiro de 2018, a Promotoria do Meio Ambiente encaminhou a nova proposta para avaliação da prefeitura. Após a pronúncia da administração municipal, o Ministério Público deverá se manifestar.