"Não odeie seus inimigos. O ódio atrapalha o raciocínio." (Michael Corleone, na trilogia O Poderoso Chefão)
Mesmo as pessoas mais pacíficas experimentaram em algum momento da vida um surto de raiva, que a maturidade nos ensina a controlar. Nada de errado que isso ocorra, desde que esse sentimento inferior não passe a fazer parte da rotina daquela criatura. Porque, quando isso acontece, todas as reações positivas ficam obscurecidas, tamanho o peso do ódio crônico incorporado ao cotidiano.
Uma passagem de olhos pela mídia assusta pela proliferação do perfil odioso, deixando a sensação de que o ódio tem melhor memória do que o amor. Difícil saber se esse modelo pitbull, que fez das redes sociais o seu habitat preferencial, já existia desde sempre ou se contando com essa imensa vitrine sentiu-se, como nunca, estimulado a dar o melhor de si rumo à iniquidade.
O ser rancoroso está sempre se deslocando com rapidez como se fosse possível deixar a si mesmo para trás.
É compreensível que esta vítima, além de traços de caráter indispensáveis, tenha passado (ou atraído) vivências que atropelaram sua frágil autoestima. Com todas as circunstâncias puxando para baixo, construiu-se o protótipo definido como rançoso e deprimido, que, sem escolha, tornou-se um solitário mal-amado. Não conseguir manter um relacionamento afetivo, porque este convívio seria intolerável para o outro, só serve para torná-lo ainda mais raivoso.
Mas como em qualquer situação somos naturalmente impelidos a buscar companhia, este tipo rapidamente se liga a um partido ou facção que tenha como marca o ódio ao sucesso, profissional ou amoroso, de alguém. E mais insuportável ainda será se o pretensioso tiver os dois.
Vivendo atormentado pela pressão da amargura e do fracasso, ele é incapaz de admitir qualquer expressão de generosidade. Mas como nem o rancor resiste à ação corrosiva do tempo, ele se dedica, fervorosamente, a renovar o estoque odioso, para não ser confundido com esses frouxos que se deixam levar por sentimentos que, intimamente, não consegue entender como virtude.
Como o corpo não resiste fugir do que a mente determina, o protótipo rancoroso se exterioriza monotonamente em características físicas reconhecíveis à distância: o cenho constrito, a tendência à sudorese excessiva, uma acidez gástrica permanente e uma pressa que lhe acelera o passo mesmo quando não tem um destino determinado para alcançar. Não conseguindo suportar o peso do modelo que construiu, ele está sempre se deslocando com rapidez como se fosse possível deixar a si mesmo para trás. O desleixo físico é usado como um crachá para não ser confundido com esses pusilânimes que se preocupam com aparência quando o mundo todo está desmoronando.
E para manter-se odiosamente ativo, não dá tréguas ao seu propósito e está sempre buscando causas que se oponham ao senso comum numa tarefa antiquixotesca, em que tenta magoar gratuitamente a quem ousa aparentar qualquer indício de felicidade.
Alguns alvos são monotonamente escolhidos para que o ódio do mundo não arrefeça, e o modelo mais disponível tende a ser aquele arrogante e convencido, que se acha no direito de ter opinião. E se isso não bastasse, ainda contrária à sua.