"Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe." (José Saramago, em A Caverna)
É previsível que os portugueses, com tão rica história de poder, desde a época em que o Brasil selvagem foi descoberto e devidamente colonizado, tenham algum resíduo de orgulho pelo produto final. Mas seria também compreensível que, tendo uma área territorial menor do que Santa Catarina e uma população 10% menor do que a do Rio Grande do Sul, houvesse algum incômodo com o crescimento do "monstrinho" metido a gigante pela própria natureza. Uma das áreas em que de vez em quando verte algum ressentimento é na intolerância a qualquer corruptela do idioma.
Como um legítimo patrimônio deles, se preferimos renunciar ao tupi-guarani para aderirmos à língua do colonizador, que ao menos respeitemos os padrões originais. E esta já seria uma justa pretensão deles.
Humor sofisticado é aquele em que o autor da piada não compartilha o riso. Ou ri para dentro.
Com uma população 20 vezes maior, espalhada num país continental, devemos considerar um milagre que todos falemos português. Mas ao sentimento luso isso não parece suficiente, e tanto brasileiros em Portugal quanto portugueses no Brasil trocam farpas idiomáticas, muitas delas recheadas de bom humor.
Uma ocasião, numa tarde do tórrido verão de Lisboa, ocupei uma mesa de bar e pedi ao garçom: "Por favor, uma cerveja bem gelada e uma porção de bolinhos de bacalhau". "Não temos uma tal cerveja", foi a resposta. Num desânimo total, pedi uma Coca-Cola. Minutos depois, sentou-se numa mesa ao lado um casal jovem, e o mesmo garçom trouxe-lhe a cerveja dos sonhos, daquelas em que a garrafa, ao ser aberta, libera os vapores do choque térmico com a temperatura ambiente.
Quando reclamei, o garçom explicou com toda a calma: "Disse-vos que não tinha, porque pedistes uma cerveja gelada, e essa não sai da garrafa. Agora estou a perceber que estáveis a pedir uma cerveja bem fria, que é a maneira que servimos toda cerveja neste país e por consequência neste bar!". Tudo aquilo, com um risinho mal contido, foi de matar. Quando associei à lembrança de que os hispânicos chamam sorvete de gelado, achei melhor engolir. E quieto, como convém.
Mas nessas reclamações há sempre uma dose de bom humor, com uma seriedade mal disfarçada, típica dos portugueses.
Tal como ocorreu quando José Saramago foi recepcionado, com grande comoção, em Belo Horizonte para apresentação de A Caverna, seu primeiro livro após o Prêmio Nobel de Literatura. Ao ouvir, na cerimônia de abertura, que "BH estava orgulhosa de sediar o lançamento do último livro desse genial escritor", agradeceu por todo o carinho e pela oportunidade de descobrir que a apresentação de um livro no Brasil se chamava "lançamento", o que lhe permitia imaginar que "no futuro próximo, talvez essa possa ser transformada em uma nova modalidade olímpica, considerando-se que já estão consagradas as de lançamentos de peso, disco e martelo!".
A seriedade impenetrável do olhar enquanto o público rolava de rir define o humor mais sofisticado: aquele em que o autor da piada não compartilha o riso. Ou ri para dentro.