Vamos chama-lo de Evilásio, acho que ele não ia se importar. Era o patriarca de uma família enorme, que com o passar dos anos foi quase duplicada pelo acréscimo de noras e genros, esses penduricalhos que a vida acrescenta às famílias normais. Com o tempo, esse inexorável atropelador de hierarquias, ele foi ficando mais lento, de fala e de marcha, e sentiu, mais do que ninguém, a desvalorização progressiva da sua vontade.
Confessou ao seu médico que não andava se sentindo muito bem, mas não comentaria com a família, antes de saber qual era a sua perspectiva de vida futura, porque seus filhos "eram muito espalhafatosos".
Constatada a presença de um tumor pulmonar, em estágio 3, foi inevitável a participação da prole porque muitas decisões terapêuticas futuras exigiriam consenso familiar.
"Querido sogrinho, estamos discutindo o que é melhor pra você!"
E então, numa sessão que mais se assemelhava a uma reunião de condomínio, todos palpitaram desassombradamente:
— Quimioterapia, de jeito nenhum, que mamãe morreu por causa dela.
— Mas os tempos mudaram.
— Mudaram nada, as pessoas continuam morrendo de câncer, com ou sem quimioterapia!
— Ouvi falar numa tal de imunoterapia.
— Essa é a nova febre da medicina, com uns remédios que custam o olho da cara!
— Cirurgia, não. Com 85 anos, ele não sai da mesa de operação!
— Mas falam maravilhas de cirurgia com vídeo...
— Não acredito em milagres, cirurgia é cirurgia.
No canto da sala, o Evilásio, blindado por uma pretensa surdez, assistia a tudo com olímpica indiferença. Quando a paciência acabou, ele tentou intervir, mas como ninguém deu bola, ele passou a bater palmas, até que, convencidos de que ele não pararia de aplaudir porque esta estratégia já funcionara na semana anterior, todos calaram a boca. Enquanto Evilásio engatilhava o discurso, uma nora resolveu atualizá-lo da situação:
— Querido sogrinho, estamos discutindo o que é melhor pra você!
— Sei disso, minha querida, mas eu só queria me inscrever para participar da discussão, considerando que sou uma parte bastante envolvida com o problema!
Além de uma avaliação equivocada da intensidade da surdez, havia uma decisão colegiada de que ele, responsável pelo destino de uma grande família durante 65 anos, agora tinha que se sujeitar a ser rebaixado à condição de mero espectador do seu destino.
Quando o filho caçula esboçou um início de discurso, ele voltou a bater palmas e, recuperado o silêncio, sacramentou:
— Esta discussão, além de inútil, é injusta com vocês, que não têm formação técnica no assunto. Eu, por sorte, tenho um médico da minha confiança, que sabe muito do assunto, e vou fazer o que ele achar melhor. Então vamos servir o chá, porque o cheiro de bolo assado já chegou aqui.
Se eu pertencesse àquela família, teria começado a aplaudir, mesmo que o chá esfriasse.