Hipocondria é o medo, infundado e patológico, que alguém alimenta de ter uma enfermidade grave. Como desordem psicossomática, é uma doença mental sentida fisicamente. Ainda que o indivíduo queira viver, ele gasta o tempo, e alguns a infeliz vida toda, na busca de indícios de que esteja caminhando inexoravelmente para a morte.
Enquanto este alvo inconsciente não chega, ele inferniza a sua vidinha e a de quem se aproxima da sua fábrica de infelicidade.
Ao invés de concentrar seus esforços em estar bem, o hipocondríaco foca a sua energia em cada sinal que indique o contrário. E qualquer sintoma tem o efeito exacerbado de despertar o medo da morte.
O leigo ansioso sempre encontrará algum vínculo entre o que leu na internet e as suas queixas.
Modernamente, a facilidade de acesso a todo tipo de informação, disponibilizada a granel na internet, é captada por esse leigo ansioso que, sem nenhuma condição técnica de triagem, sempre encontrará algum vínculo, por ridículo que seja, entre o que leu e as suas queixas, com seus tenebrosos desdobramentos. Entre os sintomas, a dor, de qualquer tipo, ocupa um lugar de destaque, porque o médico menos experiente não se sente tão confiante para desmenti-la. A suspeição diagnóstica de hipocondria começa na ausência de padrão da dor, porque o leigo não tem razões para saber que as dores de origem orgânica têm características sugestivas, de intensidade, localização, persistência ou fugacidade e irradiação. Outro filtro de implacável autenticidade é a premissa médica antiga: "Quando tudo dói, a dor não é do corpo".
Vou chamá-la de Renée, mas podia ser Úrsula, tanto faz, eu gosto dela. Foi operada de uma lesão pleural benigna. Um caso fácil, desses que gratificam pela resolução imediata. Por razões que não alcanço, o nosso contrato objetivo de cuidado médico específico não se encerrou com a retirada dos pontos, nada disso, foi prorrogado até o fim dos tempos.
Na primeira consulta, já tinha chamado atenção um caderno gordo, preso com um elástico, cheio de recortes da imprensa, onde ela anotava, dia a dia, todos os sintomas em ordem cronológica. Um desavisado teria considerado tratar-se de uma pessoa zelosa de sua saúde, mas como explicar o registro dos horários, com o preciosismo dos minutos?
Quando preparávamos a alta hospitalar, o caderno voltou, e ela começou a desfiar um rol de doenças subestimadas por médicos famosos, "mas tão insensíveis, que proibiam a secretária de passar o celular aos pacientes".
Este comportamento, para um médico experiente, significava que ele seria o próximo alvo de reclamações e injúrias quando o cansaço mútuo chegasse pra ficar. Os anos na estrada recomendavam que a relação que iniciaríamos teria que ser precedida por certas normas. E assim foi: "Fique segura que eu atendo, ou retorno, a todos os chamados de pacientes, mas vou deixar a seu juízo a real necessidade de cada chamada. É muito provável que a senhora tenha extrapolado o limite da disponibilidade de cada um dos excelentes profissionais que constam do seu caderno, porque, por competência, eu me trataria com qualquer um deles. Como a sua lista de dispensados é muito grande, temo que eu seja o último, e é com esse cuidado que gostaria se ser tratado".
Não tenho a pretensão de tê-la curado da hipocondria, porque esta não é uma atarefa para amadores, mas o entendimento desta questão foi tão grande que, às vezes, ela fica até duas semanas sem dar notícia!
Há consenso de que a solidão agrava esta enfermidade, e aos residentes insisto que sejamos tolerantes com eles, que contam histórias intermináveis e agem como se fossem o centro do mundo, mas só queriam mesmo é dizer que se sentem sós, e que gostariam de ser, para alguém, só um pouquinho mais importante do que, de fato, são. E nunca podemos esquecer que, à semelhança dos paranoicos, que podem ter, sim, inimigos verdadeiros, os hipocondríacos também adoecem, e com alguma frequência morrem de doenças curáveis, porque as tantas queixas vazias exauriram os ouvidos de quem devia protegê-los.