Os votos emocionados, os desejos ardentes e até os fogos de colorido exagerado anunciam que seguimos com esperança de que as coisas melhorem, mesmo com tantas evidências apontando que não.
O que devia ser uma simples troca de calendário, com o ritual de abraços como estímulo ao clarear do dia seguinte, quase nunca é tão simples.
Alguma força maior nos empurra para a retrospecção e, quando percebemos, estamos revirando gavetas, catando memórias dadas com mortas, recuperando, com remorso, músicas memoráveis que por uma estranha razão esquecemos de incluir no Spotify, ou relendo cartões que, lá atrás, quando os recebemos, alguma coisa muito errada devia estar ocorrendo conosco, se não como explicar que tivéssemos esquecido o que significaram?
Quase sempre essas retrospectivas deixam uma mistura de vazio, saudade e pena, de não termos dado a alguns momentos a solenidade que mereciam.
Hoje, com os olhos da maturidade, vejo com nitidez o que não passaram de vultos na pressa vazia da juventude, quando éramos muita vontade de ir e uma vaga noção de onde queríamos chegar.
Desde que li, pela primeira vez, o quanto a nossa memória tende a sepultar as coisas ruins e a glamorizar as boas, decidi por uma rotina que adoto desde então: no final de cada ano, faço um resumo factual do que realizei e uma projeção, tão realista quanto possível, do que planejo fazer adiante.
Os argumentos para essa prática são a inconfiabilidade da memória e a necessidade de avaliar o quanto tenho sido timidamente modesto ou ridiculamente pretensioso nas minhas estimativas futuras.
Esse inventário anual incluí três colunas: as maiores conquistas (sempre tão poucas), os maiores fracassos (que foram o que tinham que ser) e as metas para o ano seguinte.
A leitura desses textos, anos depois, tem sido tão mais surpreendente quanto maior o intervalo entre a redação original e a revisita.
A leitura desses textos, anos depois, tem sido tão mais surpreendente quanto maior o intervalo entre a redação original e a revisita.
Há que reconhecer essa estratégia como um plágio assumido do que já faziam os gestores modernos que trabalham com metas, na busca obstinada da sustentabilidade das empresas e, claro, da manutenção dos seus preciosos empregos.
A tarefa inicialmente despretensiosa de transferir esse modelo empresarial para a vida pessoal tem, na minha opinião, funcionado com espécie de “conhece-te a ti mesmo”, tão valorizado por Sócrates, ou Heráclito ou Platão, ou os três, como “o fundamento de toda a filosofia”.
As visitas a esse relicário do tempo trazem descobertas desconcertantes, porque ora nos vemos agradecendo ao fracasso do projeto fantasioso que nos recolocou nos trilhos, ora saudamos a ventura de não termos convencido ninguém da nossa proposta maluca. Nesse inventário, nada se compara à maravilhosa sensação de termos confiado nas pessoas certas.
E, além disso, de vez em quando, bem de vez em quando, em prol da autoestima, é bom admitirmos, sem espalhafatos, que termos prosseguido com aquele projeto considerado delirante, não importa com quanto suor derramado, ajudou, ao menos, a pôr alguma lenha no inferno dos invejosos.