Depois de dois anos infindáveis de ameaças reiteradas, incertezas plantadas pelo surgimento de novas cepas e esperanças combalidas pela ausência de prazos, chegamos aqui, animados pela redução das mortes provocadas por uma enfermidade que não tem tratamento específico, mas que, felizmente, ao bater de frente com as vacinas, arrefeceu. A descoberta, aqui e ali, de novas variantes segue a cartilha da biologia do vírus, sempre tentando, através de mutações, adaptar-se a condições desfavoráveis de sobrevivência.
No rescaldo dessa pandemia, restaram subprodutos indesejáveis: as sequelas da doença que, ao contrário das outras viroses, não se limitou a afetar os pulmões, revelando-se desde logo uma doença sistêmica. O achado de múltiplos pequenos focos de hemorragia no cérebro dos mortos autoriza supor que os portadores de formas menos graves, e que por isso sobreviveram, tenham também lesões cerebrais hemorrágicas, ainda que em menor grau.
As alterações de comportamento, com tendência à depressão, e desdobramentos para psicoses e suicídio têm mantidos os psiquiatras, que nunca trabalharam tanto quanto na pandemia, atentos e perplexos. Na mesma trilha, chamou a atenção o achado de microtrombos em vasos da retina em pacientes com covid-19 que foram submetidos a exame de fundo de olho, e que estavam circunstancialmente assintomáticos (mas com nenhuma certeza que continuarão assim), na fase de cicatrização dessas minúsculas lesões.
Como doença capaz de afetar múltiplos órgãos e sistemas, a impressão é de que precisaremos, pelo menos, uma década para dimensionar os danos dessa viremia.
O sistema muscular, um dos mais atingidos, rendendo sintomas dolorosos intensos na fase aguda da doença, também afetou o rendimento motor, como se pôde observar em atletas que, por serem jovens e saudáveis, superaram a fase aguda, mas ainda que aparentemente recuperados, demoravam semanas para se aproximarem do desempenho exigido de quem trabalha em alta performance. Se transferirmos essa preocupação para o coração, um órgão cheio de charme, mas na essência um músculo com o imprescindível cacoete de se contrair, como será a sua força de contração, depois que a cascata inflamatória passar?
Como doença capaz de afetar múltiplos órgãos e sistemas, a impressão é de que precisaremos, pelo menos, uma década para dimensionar os danos dessa viremia.
Com as curvas de mortalidade em rápida regressão em todos os países que tiveram condições estruturais e econômicas de vacinação em massa, tudo parecia encaminhar-se para um final feliz, mas que ninguém, contabilizadas as mortes, classificaria como precoce.
E então aumentaram o tom dos resmungos, indicativos de um ranço histórico, que já se ouviam um ano atrás, mas os médicos, de boa vontade, admitiam que tudo era uma questão das vacinas se mostrarem efetivas. Pois nada disso aconteceu. Os incautos, armados de preceitos sectários e fake news, passaram a repetir conceitos debiloides para justificar serem contra um dos maiores trunfos da ciência médica de todos os tempos: a vacina. Mesmo depois que a mortalidade entre os vacinados entrou em queda livre.
Pessoalmente, acho ingenuidade querer argumentar quando o radicalismo tingiu de sangue o olho das suas vítimas. Só fico querendo ajudar aqueles que se precipitaram na escolha do lado, e agora, convencidos de que a ciência estava certa, têm vergonha de voltar atrás. A esses, meu conselho: se dê um presente de Natal, a si e a sua família. Vá a um posto de saúde e vacine-se.
Os fanáticos ignoram que a liberdade de opinião não estimula a produção de anticorpos. Mas nem por isso vamos desistir deles: se forem punidos pela opção estúpida da doença, nós, já protegidos, poderemos ajudá-los, como fizemos todos os dias neste tempo para esquecer.
Enquanto isso, Feliz Natal para todos, porque, afinal, o perdão é o maior símbolo desta festa.